Assisti um singelo filme
em que a mãe do protagonista perguntou a um professor se ele havia lido todos
os livros que repousavam em sua gigantesca biblioteca. Ele respondeu: “quase
todos!” Passei desde então a questionar nossa imersão quase inconsciente neste
processo de mudanças pelo qual vem passando a absorção do conhecimento,
sobretudo por me lembrar do espanto da mulher ao escutar a resposta tranquila
daquele mestre.
A perplexidade que a dominara certamente guardara relação com o fato de ser analfabeta, condição que a pusera, de pronto, em estado de desigualdade, favorecendo sua estupefação diante de um leitor, sobretudo quando o mesmo comparar-se-ia a um super atleta, cuja envergadura intelectual intimidaria qualquer acadêmico haja vista sua monumental disciplina para a maratona literária.
Mas não era só isso. A
personagem de certo fora compelida ao questionamento talvez por considerar a
inutilidade de um acervo tão extraordinariamente volumoso, tendo em vista a
missão de folheá-lo - por mais disposição que houvesse - significar um
sacrifício hercúleo, para não dizer inútil, haja vista a “impossibilidade” do
propósito.
O hábito da leitura, para muitos, é comparável a uma batalha titânica, impressão reforçada pela visão intimidatória presente, por exemplo, em uma estante repleta de livros, sobretudo quando os mesmos se destacam pela densidade de seu conteúdo.
Pessoas que não empreendem
o exercício da leitura inobservam que tal prática possui relação com a paixão,
o entusiasmo e a alegria de permitir-se imergir nas águas profundas do oceano
literário. A cena entre um professor e sua faxineira mostra-se oportuna uma vez
que traduz o significado do amor pelos livros, o qual pode se manifestar na
dedicação ao outro. Ou seja, não é possível conceber um leitor que se farta com
uma boa leitura e não deseje compartilhá-la com os demais. No filme, o
professor dedicou-se a alfabetizar a moça, assim como um leitor apaixonado
indicaria, com satisfação, uma boa obra literária.
Contudo, há um interessante aspecto a se observar no questionamento da personagem, especialmente se atentarmos para um, dentre inúmeros fenômenos que a dimensão tecnológica nos trouxe, qual seja, a opção pela compactação, pela redução da densidade dos conteúdos de natureza intangível, tais como os arquivos que transitam nos cyber espaços.
Nossos e-mails e memórias
de computadores estão atolados de arquivos, os quais, embora em sua esmagadora
maioria correspondam a livros, não os designamos como tais, e sim, preferimos
chamá-los de arquivos, já que a configuração do conteúdo, por não se apresentar
tangível, parece merecer outra denominação.
Tal observação nos coloca
diante de outro aspecto, qual seja o efeito da redução dos arquivos para nossa
percepção acerca da literatura, uma vez que tal mecanismo não garante que as
pessoas abandonem a ideia de que ler perfaz uma prática monótona ou mesmo
desnecessária.
Em outras palavras, trocar
a visão de uma monumental biblioteca por arquivos em formato PDF devidamente
reduzidos (zipados) cumpriria a função de aproximar as pessoas de livros? Ou,
ao contrário, essa relação contribuiria para permanecermos em nossas zonas de
conforto, ignorando, pela suposta praticidade que tais configurações de
conteúdos oferecem, o salutar interesse pela leitura?
Não há respostas
absolutas, pois existem indivíduos que se deslumbrariam com a imagem de muitos
livros, alguns capazes de se encantar pela mera expectativa de seu conteúdo,
bem como outros que se deixariam arrebatar pela capa, o design, enfim, pela
configuração estética, sem contar aqueles cuja percepção se mostra consentânea
ao fenômeno da compactação, pois cresceram dialogando com esses padrões, os
quais sobrelevam em importância haja vista contemplarem a indissociabilidade
entre tempo e densidade de conteúdo, permitindo, pela fragmentação, tornar a
leitura uma prática mais palatável.
A despeito das
divergências quanto aos efeitos dos programas que se prestam à compactação de
arquivos na esfera da leitura, certo é que a prática dessa consiste em mais
empoderamento aos que já dominam os códigos da linguagem e especialmente
àqueles ainda distantes do fértil terreno dos livros, seja pelo analfabetismo
ou por simplesmente não exercitá-la, significando afirmar que tão importante
prática altera positivamente nosso estado de consciência, operando para que o
conhecimento se instale em nós de modo natural e espontâneo, permitindo assim,
que o espanto ceda lugar à serenidade e prazer quando nos depararmos com uma
biblioteca.
"Texto inspirado no filme " Mãos talentosas"
Maurício Alves
Advogado
Comentários
Postar um comentário