Minha filha mais nova percebeu uma centopeia caminhando à noite certo dia, ocasião em que, encantada por aquele ser, perseguiu seus passos, que se direcionavam de modo difuso e aparentemente sem rumo definido. De um lado a outro seu mover gerava curiosidade e expectativa quanto ao destino a que se encaminhava a pequena lacraia, cuja marcha, sob ritmos variados, parecia não necessariamente seguir a um local, mas, experimentar as inúmeras possibilidades de roteiros que a superfície lhe proporcionava, condição acompanhada da coragem crescente de minha pequena Tatá em aproximar-se daquele artrópode.
Aproximadamente sete minutos se passaram para que eu percebesse que o movimento do bichinho não poderia ser compreendido a partir de minhas expectativas, ou seja, sob o entendimento de que sua caminhada, à semelhança dos humanos, se realizaria com propósito previamente estabelecido e não ao acaso.
Havendo propósito objetivamente, como, por exemplo, a busca por alimento ou adequado local para depositar seus ovos ou mesmo sob qualquer outro estímulo desconhecido, o pequeno ente se movia de maneira aparentemente atabalhoada, ora seguindo numa direção e em sequência tomando rumo oposto, comportando-se de modo impassível ao olhar atento e espantado da pequena Catharina.
Certo é que aquela experiência de observar o percurso da centopeia, terminou por me convencer de que o mais relevante não era descobrir algum propósito em seu obstinado caminhar, mas, sobretudo, refletir sobre o fato de que assumir que o alcance de certos destinos passa pela experiência de atravessar diferentes rotas, nas quais múltiplos aprendizados são agregados tais como a superação de incertezas e inseguranças, condição perceptível não apenas na perseverante movimentação do inseto, mas, igualmente, no quão interessante aquilo era à pequena observadora sob meus cuidados, em cujo olhar era notável a estupefação que aquela imagem provocara, para a qual não parecia haver nenhum desejo de interferência, apenas a vontade de assistir, sob intenso encantamento, o mover de uma dança rastejante.
Após certo tempo, percebi que não adiantaria permanecer observando o bichinho com vistas a realizar alguma descoberta sob olhar cartesiano e indiferente às minhas limitações de compreensão a respeito das incontáveis manifestações vitais no planeta, compreendendo que as categorias humanas não necessariamente possuem o condão de demonstrar a realidade complexa da fauna terrestre. Aprendi ao menos, que aquela experiência, além de ampliar o universo perceptivo de minha filhinha, me proporcionara extrair a ideia de que, à semelhança do(s) caminho(s) da centopeia, os nossos roteiros podem ser múltiplos, nos quais a superação de incertezas e inseguranças são tão relevantes quanto alcançar o fim da caminhada.
Sejamos assim: caminhantes que elegem múltiplos roteiros rumo à superação de incertezas.
Em algum lugar na Via Láctea,
Maurício.
Comentários
Postar um comentário