O celebrado filme "Coringa", cujo protagonismo fora ofertado ao ator Joaquim Phoenix, tem gerado a percepção de que há, numa medida imensa, a incidência de distúrbios e patologias mentais que decorrem do desprezo à dignidade, expresso pelo modelo neoliberal excludente, gerador de invisibilidade e desconexão com o ente humano.
A resposta originada do esmagador vazio existencial que oprime a alma desse Coringa pós-moderno parecerá contraditória, tendo em vista que o riso domina seu rosto quase permanentemente, e ante a ausência de compreensão acerca da complexidade profunda a marcar este incontido impulso, a irrefreável agressividade eclode como o avesso da violência institucionalizada pelo sistema capitalista sob o amparo e conivência estatal.
O riso como patologia é uma realidade mais profunda e comum do que possamos suspeitar, pois, em tempos onde a distância perfaz condição para alguma proximidade - ainda que seja virtual -, os aparatos da cultura destinados à interação nos alcançam sob a impressão de que o afastamento é o modo mais conveniente a que produzamos alguma conexão afetiva, sempre mediada por uma tela de aparelho celular, em cujo diminuto elemento nossa interioridade é projetada e ao mesmo tempo tão simulada pelo risco da experiência relacional.
O perturbador riso do Coringa é uma das mais expressivas traduções do mal-estar que nos domina nessa desconfortável quadra histórica, pois, sentir-se invisível corresponde à frieza dominante no campo de nossas relações, portanto, uma evidência de que o horizonte de acolhimento e percepção da presença do outro fora reduzido à quase extinção, em que pese localizarmos, de modo relativamente fácil alguém em ambientes virtuais.
Ocorre que tal modalidade de encontrro (app/redes sociais) não cumpre exatamente a comunhão orgânica que decorre do contato presencial, e na atmosfera em que o "sucesso", concebido como cumprimento de expectativas socialmente eleitas não acontece, é conveniente encarnar a personagem, a qual expressa artificial e cinicamente, os valores de uma sociedade que se orgulha por incluir em seu clube de ostentações os que tem, e dessignificar os que são.
Depreende-se de tal observação, que a risada estereotipada do Coringa, de certo modo reproduz não apenas sua condição pessoal, mas, igualmente, a manifestação assombrosa de uma anomia social sob o disfarce do riso permanente, expressa em fotos largamente publicadas em redes sociais margeadas pela dor para cuja cura investe-se em mais risos, gargalhadas, memes, universo imagético tendente a driblar a realidade da miséria humana que se aprofunda pela frieza, distância e disfarces.
A gargalhada do Coringa revela muito a nosso respeito.
Em algum lugar na Via Láctea,
Maurício.
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