Aceitamos, que aplicativos e quaisquer artefatos pós-modernos à nossa disposição, se encarreguem de promover uma facilitação das interações humanas, tornando-as tão rápidas e dinâmicas de modo a transpor, num diminuto lapso de tempo, qualquer obstáculo geográfico. Em que pese tal promessa haja se confirmado espantosamente, o fato igualmente concreto compreende a tragédia relacional decorrente de tamanha condição viabilizada, expressa no isolamento e - contraditoriamente - quase ausência de diálogo entre nós a despeito de podermos ferir uma pequena tela com os dedos para nos "conectarmos" instantaneamente.
O distanciamento entre os indivíduos é anterior à pandemia, razão por que o surgimento deste fenômeno epidemiológico impôs, ao campo relacional imediato a necessidade de enxergarmos, por meio da reclusão forçada, as vísceras de uma sociedade adoecida e cuja diferença compreende o fato de que antes fomos nos afastamos sutil e "voluntariamente", e, agora, abrupta e de maneira compulsoria, circunstância que nos coloca no centro de uma dupla reflexão, a qual incorpora a noção de livre arbítrio bem como o insere nos limites de nossa autonomia.
A compreensão da relevância dos conceitos trazidos à baila é fundamental para entendermos o que nos afastou como decorrência de uma suposta escolha e de que modo o papel manipulador da vigilância e controle no interior da tecnologia de massa nos tem sequestrado, a ponto de forjar um modo quase "industrial" de produção e exercício de nosso inorgânico (pseudo?) relacionamento.
Ontem encontrei, por acaso, uma imagem numa rede social de crianças reunidas em uma esquina conversando de modo intenso conforme costumávamos fazer, e, conquanto tente me convencer de que esse padrão relacional pertence ao passado e que isso não significa uma perda de qualidade em nossa experiência presente, o fato é que a sociabilidade sofreu significativas mudanças, no interior da qual é oportuno questionar a natureza de tais rupturas e em que aspectos reside seu caráter deletério à saúde de nossas relações.
A internet não é responsável pela solidão, pois, a experiência de senti-la independe de estarmos num claustro ou cercados por uma multidão: ela é uma condição humana, potencializada pela atual dicotomia existente numa promessa de dupla feição, ou seja, conexão rápida e dinâmica porém sob a vigência da distância e quase esgotamento do diálogo como realidade prevalente.
O advento desses tempos tão estranhos impõe que nos detenhamos a pensar sobre os significados presentes nas impressões que as ferramentas da ausência e relativo silêncio (app's) determinam à realidade, exercício que nos guiará, inevitavelmente, à conclusão de que fomos programados a atribuir urgência às nossas atividades mesmo as mais singelas, e uma chocante evidência de tal condição está na pressa angustiante que empregamos na comunicação mediada pelos app's, notadamente pelo exagero de figurinhas, emojes e expressões monossilábicas reinantes a esmagar a viabilidade do diálogo em favor da mensagem pasteurizada sob o pálio do silêncio, que se disfarça no truque de perfis carregados de imagens que supostamente retratam uma existência marcada por intensa interlocução.
Ora, o substrato desse cenário coletivamente liquefeito, compreende o fato de que urgente mesmo é o desafio de aceitarmos que a adoção desse modus operandi comunicacional não decorre de uma escolha voluntária, mas, de uma decisão sobreposta à autonomia da vontade das massas, a qual está no marco da agenda das grandes corporações cuja fundamental missão panóptica (controle e vigilância) já logrou êxito no processo de cooptação global, porém, como em todo sistema, há fissuras na engrenagem, no interior da qual a subjetividade do indivíduo poderá ao menos tentar resistir ao domínio de espectro total - se é que ainda cremos em tal possibilidade notadamente pelo nível de servidão a que fomos submetidos.
Compramos pelo valor de face a promessa de rapidez, dinamismo dialogal e conexões impensáveis, cuja propaganda põe em relevo a superação da distância porém ocultando que a conexão virtualmente disponível possui uma condição contraditoriamente disfuncional, à medida que a "superação da distância" carrega, em seu "DNA", o ônus e disposição viciante de elevarmos à última potência o nível de isolamento disfarçado quando, convenientemente golpeamos, lépida e automaticamente, a tela de nossos aparelhos.
Em algum lugar na Via Láctea,
Maurício Alves.
Excelente texto! Aponta questões sobre individualidade, coletividade e verdade que nos assola e assombra fora e dentro das redes sociais. Parabéns ao autor!
ResponderExcluirObrigado, Rose!
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