A observação das mudanças no ser humano pode ser um exercício interessante se realizado sob o filtro do tempo, pois, a experiência de envelhecer compreende mudanças em nossa fisiologia que podem ser discernidas como sinais relacionados a cada transformação que se opera, subjetivamente, como perda e/ou ganho à formação do caráter. Cada ausência é uma oportunidade à aquisição de algo para cobrir a lacuna, ou seja, se uma linha de expressão ou ruga indicam envelhecimento, tal condição resulta em maturidade.
Enxergar o processo de envelhecimento como possibilidade de reconhecer as mudanças que se operam na subjetividade humana, a partir da concepção de que cada marca ou expressão física corresponde a uma transformação no caráter seja pelo acréscimo ou supressão de determinada característica, perfaz uma interessante metáfora ao mapeamento e tentativa de compreensão do inevitável processso de transformação pessoal.
Se uma ruga ou linha de expressão facial denotam vínculo com a cronologia, portanto, uma evidência do tempo que se inscreve fisicamente, indicando que o sujeito, assimilado sob a impressão imediata de que aqueles sinais são manifestação de experiência, maturidade e equilíbrio corrobora, por inferência, a percepção de que o indivíduo haja abdicado, ao longo dos anos, dos vícios comportamentais que a juventude logrou provocar, condição que revela um certo fluxo de ruptura contínua, uma vez que, renunciando certas convicções, cede lugar a outras, num processo de renúncia e assimilação que se expressa como condição vital e mutante.
Assimilação e renúncia são dados vitais no fluxo da existência não circunscritos à condição humana, mas, vinculados igualmente a um processo amplo, compreendido na natureza conforme nos demonstra a intensa, profunda e inescapável interação de seus elementos. No entanto, é consabido que nesta há uma sabedoria cuja complexidade em muitos aspectos escapa ao entendimento, em que pese operar sob manifestação singelamente funcional, haja vista as trocas simbióticas que fauna e flora realizam, no interior das quais, perdas e incorporações ocorrem como condição indissociável à manutenção da vida.
Um exemplo clássico reside no papel das abelhas à polenização, visto que tal atividade é decisiva à reprodução cruzada das plantas, favorece à produção de frutos de melhor qualidade e maior volume de sementes, condição que demonstra uma duplicidade funcional.
Ora, este exemplo reforça a ideia de que o processo compreendido nas expressões assimilação e renúncia anteriormente aludido, possibilita a apreensão de que a coleta de néctar e pólen das abelhas para fertilizar as flores implica em perdas e ganhos simultâneos, ou seja, onde há vazio pelo sequestro de um pequeno inseto, imediatamente abre-se uma oportunidade para renovação.
Contemplar, portanto, as transformações no interior do caráter humano sob o esteio da correspondência entre o físico e o subjetivo perfaz um exercício desafiador, sobretudo pela oportunidade de sublimação das marcas do tempo em nosso corpo e consequente compreensão do significado da maturidade ao desenho do caráter, significando afirmar, conforme oportuna peça musical, que a existência nos ensina a caminhar "nem sempre ganhando, nem sempre perdendo mas vivendo e aprendendo a jogar".
Em Algum lugar na Via Láctea,
Maurício Alves.
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