Respirar é ato precípuo à existência humana, exercício para o qual não se demanda grande disposição tendo em vista a espontaneidade com que o realizamos, condição que se caracteriza pela absorção e dispersão de ar em nosso organismo, significando que a ausência desse elemento essencial simplesmente inviabilizaria a vida. Porém o quadro pandêmico a que estamos submetidos mitigou nossa liberdade ao exercício não exatamente respiratório, mas, ao modo de exposição de nossos rostos, gerando a sensação de que há um preço a pagar pela utilização do ar o qual não parece ter sido adequadamente compreendido por muitos, haja vista a adoção desse cuidado não está circunscrita à proteção individual, porém, igualmente, à salvaguarda da higidez coletiva.
Há praticamente dois milênios Cristo mencionou quanto a impossibilidade humana de conhecer o caminho do vento, portanto, do ar; e, se tal afirmação for contemplada como metáfora aos limites globais de intervenção no domínio dos fenômenos - principalmente aqueles para os quais há grande demanda por tempo e emprego de hercúleo esforço intelectual -, constataremos que a exata medida de nossas limitações para plena compreensão e controle dos eventos de proporções planetárias são, justamente, o componente perfeito a aceitarmos a premente necessidade de construirmos pontes de entendimento e cooperação.
Ao nos questionarmos sobre tais limitações, inevitavelmente seremos obrigados a reconhecer o quão imatura é nossa postura frente aos desafios com os quais precisamos lidar na vigência da pandemia, pois, significativa resistência de parcela da sociedade brasileira quanto ao uso de máscaras, por exemplo, expõe que um comportamento é um claro sinal de que muitos não discerniram, ainda, que a liberdade estará sempre sujeita a mitigações, e este suposto tributo que se paga em nome da saúde decorre de um imperativo coletivo, marcado pela ideia de que submeter nossa liberdade a certas contenções decorre da compreensão de que uma existência em sociedade é resultado da necessidade de renúncias ao regular fluxo da vida.
Ocorre que o reconhecimento de que a liberdade é um dos bens jurídicos mais relevantes reside no fato de que seu exercício perfaz o meio pelo qual tal convicção manifesta uma natureza intrínseca; ou seja, como um dado a priori, sabemos que existir em liberdade compreende a condição primaz a uma existência digna/plena em que pese experimentemos, eventualmente, limitações em alguma medida.
Portanto, resistir à utilização de uma barreira em nosso rosto sob o fundamento de que tal medida representa atentado à liberdade colide com um elemento essencial, qual seja, a noção de que ser livre não é um fim em si mesmo, mas, um pressuposto de orientação a certos limites, os quais, no plano ordinário, se expressam como observância a parâmetros mínimos de convivência; porém, em ocasiões excepcionais, como respeito à dignidade humana a partir da função social preconizada por tal princípio.
No fim de tudo, carrego a impressão de que muitos não querem liberdade, e, sim, o direito à gestão da própria fraqueza e covardia expressas como negação do grave quadro epidemiológico vigente.
Vamos pensar nisso.
Em algum lugar da Via Láctea,
Maurício Alves.
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