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Fé e a condição humana

A fé compreende um dado da realidade no centro do qual a condição humana é o limite para os seus padrões de expressão; e é justamente na diversidade de suas manifestações que sinais indicativos tanto de nosso potencial para a comunhão quanto à animosidade e intolerância são justificados, em que pese a flagrante contradição de tais inclinações.


Se concordarmos que os limites a um exercício da fé que incorpore o equilíbrio e a serenidade pressupõe alguns dos mais adequados recursos a pacificação interior, estaremos igualmente concordes quanto ao fato de que tais virtudes decorrem das condições existenciais a que estamos submetidos, e não apenas da prática de uma espiritualidade fruto da vocação desvinculada dos condicionamentos externos.


As condições de existência, objetivas e subjetivas, orientam o indivíduo a um processo de realizações nos diferentes domínios da vida, no bojo do qual, inescapavelmente os traços de suas inclinações serão inscritos em cada ato do existir, quer seja no terreno de suas mais íntima apreensões, ou na reprodução das práticas socialmente convencionadas.


No campo da fé, em regra, as condições previamente estabelecidas no interior da família e nas relações sociais conduzem ao interesse pela espiritualidade, para cujo despertar concorrem as circunstâncias a que o sujeito está imediatamente subordinado; e a prevalência de determinado padrão religioso na expressão individual, se traduz numa certa compatibilidade entre características pessoais e arquetipia religiosa socialmente dominante, em que pese toda experiência de natureza transcendente perfazer um dado essencialmente singular.

 A singularidade, portanto, se nos mostra um elemento indiscernível, inexprimível, haja vista sua inserção no domínio da subjetividade existencial exigir o reconhecimento de que há limites para compreensão da complexidade que anima o interesse pela condição humana, na qual residem os marcos que apontam em que extremo, no ambiente da fé, nos posicionaremos.

A condição humana está para a fé como a raiz está para a árvore, tendo em vista a natureza intrínseca que os relaciona, significando afirmar que as ações dos indivíduos que se conduzem sob valores sólida e profundamente estabelecidos e quando coligidos à espiritualidade, geralmente tendem a se tornar inegociáveis, a despeito das contradições que a suposta inegociabilidade possa representar.


Exemplo eloquente reside no imaginário coletivo evangélico do Brasil especialmente, o qual considera o estado de Israel inimputável quanto aos ataques à população palestina que se encontra instalada nas áreas adjacentes a Jerusalém há milênios, e em que pese a coexistência entre árabes e israelenses corresponder a um dado secular, cuja produção de beligerância no nível de exacerbação homicida que testemunha a comunidade internacional hoje decorrer, dentre fatores diversos, do movimento sionista patrocinado por poderosos financistas nos EUA especialmente, que, após êxito na instauração do Estado artificial israelense ainda na primeira metade do século XX (estado satélite americano na região) e sob a mentira de que a região estava vazia, negando a existência de milhões de famílias instaladas há mais de um milênio, perpetrou uma das maiores campanhas de "limpeza étnica" na história humana.

Não adiantará apresentar ao evangélico incauto e em certa medida fundamentalista, as razões de fundo que atualmente dominam a investida israelense contra os palestinos, a qual reside (ao menos a mais visível) na tentativa de Benjamin Netanyahu em ofertar aos grupos extremistas de Israel uma crise de modo a lhes vender a belicosa solução, com vistas a vencer as eleições e escapar da prisão (destino bem provável dado ao avanço das investigações contra ele em curso); ato contínuo, compor um parlamento cuja tentativa tem sido inexitosa nas cinco últimas edições.

Atentemos para o fato de que o exemplo acima, embora provocador, não tem a ilusão de que tais dados interfiram significativamente na apreensão ideológica de que Israel desocupe os píncaros da mais arraigada convicção religiosa, notadamente pela solidez e profundidade em que tais convicções se inscrevem, ou seja, no imaginário, na subjetividade, em que pese a realidade factual demonstrar uma brutal contradição.


Se a fé se inscreve no seio da subjetividade humana, a qual constitui limite e baliza para os padrões de sua manifestação, a urgência de compreendermos - ainda que parcialmente - os elementos que determinam as adesões a certas ideias que não ocupam imediatamente o centro da fé, mas, de modo transversal, toca a idiossincrasia dos indivíduos institucionalmente vinculados a alguma corrente religiosa é fundamental, notadamente para apreensão de certos fatores de influência externa que de algum modo reforçam as inclinações que poderão pender à serenidade ou extremismo.


Sob a convicção de que acessar as camadas mais profundas da alma humana é uma necessidade que se impõe e ao mesmo tempo um desafio que atemoriza, reflitamos sobre a nossa condição (humana!).


 

Em algum lugar da Via Láctea,
Maurício C. Alves.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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