O maneira de discernir o tema da desigualdade por parte (incorro em deliberada generalização) dos evangélicos, importa no vínculo imediato que a inevitabilidade do sofrimento possui com o grau de credulidade nas promessas divinas, as quais, em que pese nem sempre refletir os anseios do fiel, perfazem um propósito transcendente ao discernimento humano, razão por que, ainda que contrariem a vontade ou demanda imediata do crente, o propósito divinal ocupará o lugar de uma compreensão resignada.
De tal olhar, depreende-se que as contradições escandalosamente flagrantes entre a opulência ou status nababesco de que gozam inúmeros pastores/bispos/apóstolos e a miséria experimentada por parcela significativa de fiéis é, convenientemente, interpretada sob a lente da "vontade de Deus", significando afirmar que uma ordem natural emanada da Providência elege, sob critério hierárquico, os que herdarão "o melhor desta terra" e aqueles que performarão a figura do coelho a perseguir a cenoura.
À luz desse cenário, cumpre destacar, que a generalização retro aludida diz respeito ao entendimento - equivocado - de que o segmento evangélico compreende um bloco simétrico, uma unidade compacta e indivisa. Ao contrário, há matizes diversas em seu bojo, por vezes tão destoantes, a ponto de a identidade estereotipada comumente percebida e imediatamente associada ao grupo em comento restar diluída pela perplexidade, haja vista a existência das "igrejas de acolhimento", por exemplo, as quais, abertamente incorporam indivíduos assumidamente não heterossexuais, bem como as igrejas históricas à semelhança dos presbiterianos, batistas, assembleianos e tantos outros cujos traços distintivos são, hoje, quase imediatamente manifestos.
Em consonância, sublinhe-se que, sutil ou acentuadamente, as diferenças doutrinárias revelam, de algum modo, o pendor das diversas igrejas ao conservadorismo (moderado ou extremado) ou a uma flexibilidade relacional e comportamental. Para esse segundo perfil, parece cooperar a propensão à educação formal e expansão cultural laica em alguma medida; àquele, em que pese a presente observação apoiar-se em percepção puramente empírica, denota-se a prevalência de referencial menos liberal, cujo apego a traços do passado refletir uma personalidade tendente à perenidade de certos dogmas a despeito de não se coadunarem com a atual quadra histórica.
Na esteira de tais considerações, saliente-se que, malgrado a diversidade hoje presente no segmento sob exame, o elemento de convergência entre seus subgrupos reside, em grau relativo, na experiência de ascensão social como sinal da graça divina. A prosperidade é um tema afeto aos evangélicos à medida que a famigerada teologia da prosperidade estabeleceu suas bases e erigiu, sob o apelo e invasão midiática, o edifício das bênçãos decorrentes da observância incondicional aos dízimos e ofertas.
Como consequência da teologia da prosperidade, tem-se a afirmação política de grupos evangélicos que ocupam espaços de poder na República já apodrecida, notadamente em razão do enriquecimento de suas lideranças que, especialmente nos anos 1980 e 1990, empreenderam projetos de mídia a lhes conferir imensa visibilidade, e, consequentemente, significativo protagonismo a ponto de rivalizarem com conglomerados cuja hegemonia histórica parecia inabalável.
A complexidade para se pensar os evangélicos no Brasil decorre, dentre outros fatores, da pseuda homogeneidade que lhes caracterizaria supostamente, condição tendente a promover uma incompreensão acerca dos elementos que lhes tornam objeto de cobiça e disputa eleitoral (ou eleitoreira?), ou seja, alvos de lobos em pele de cordeiro, cujo discurso para sua cooptação não apenas resta assentado em pauta moral, mas, também, nas condições materiais de existência a partir do reforço ideológico nascido do liberalismo que, fanática e perversamente, impõe a falsa existência de uma ordem natural a divisar a elite econômica e os despossuídos (explorados).
Resumo da ópera.
A corrente evangélica, à semelhança de qualquer segmento que possua adeptos nessa sociedade acossada pelo apelo liberalóide manipulador, resta majoritariamente sequestrada pela falsa narrativa de oportunidade universal, discurso reforçado por líderes que, sob a subserviência ideológica, tecida a partir do império do medo totalitário que produz desmobilização e desinformação, crê que seu papel existencial está reduzido a serem tangidos como bens semoventes - para usar uma imagem/instituto jurídico.
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