
Este texto não contém spoiler.
A
frase ‘A arte imita a vida’, parece expressar uma condição inescapável ao ser
humano, haja vista sua obsessão em construir alternativas para superação das dores
e limitações que o afligem. Se sentir dilacerado pela incompletude que a vida
impõe, parece exigir de nós criatividade com vistas a elaboração de estratégias
que propiciem o contato com a arte em suas múltiplas manifestações, experiência
na qual o real se faz mais aceitável.
“A
arte existe porque a vida não basta”. O espírito dessa assertiva encerra o
entendimento de que nossos passos são marcados pela noção implícita de que a vida
precisa ser reinventada por meio da inclusão do lúdico, do mágico, do sonho, e
o repertório de que nos valemos para superar a sensação de vazio existencial é
vasto: literatura, cinema, teatro, artes visuais... Compreender tal condição é integrar
à realidade práticas que impulsionem o agir humano a interpretação particular
do mundo, porém, em alguns indivíduos tal exercício pode gerar uma evasão
deliberada da realidade, uma experiência dolorosa e capaz de revelar o lado
sombrio de uma obsessão criativa.
Sob
tal perspectiva, incluir a dimensão artística ao universo de nossas ocupações,
reforça a compreensão de que transitar no campo de sua multidimensionalidade,
produz higidez mental e espiritual ao enfrentamento de nossas contradições.
Contudo, a experiência da arte impõe equilíbrio e discernimento para divisar
realização pessoal e obsessão doentia, condição sem a qual se torna concreta a
chance de se cruzar a região fronteiriça entre prazer e loucura.
Eis
o cenário proposto pelo filme O Autor, de 2018 (link para o trailer: https://bit.ly/2P8rH7Q),
com direção de Manuel Martín Cuenca, e um elenco altamente qualificado tendo
como protagonista o belíssimo ator Javier Gutiérrez, o qual empresta vida a Álvaro,
funcionário de um cartório cujo desejo visceral em escrever um livro desencadeia
um comportamento eticamente questionável, cuja motivação deriva de carências
bem mais profundas que uma simples aspiração literária.
O
roteiro propõe um suspense no qual a angustiante busca por produzir algo
determina a deterioração do caráter, posto que a obcecada caminhada em direção
à realização de um propósito, determina ao personagem Gutiérrez orquestrar uma
cega manipulação, cujo resultado de tal prática surpreenderá o mais atento
espectador.
Por
fim, convém mencionar que a expressão artística – e nesse caso a literária –
perfaz uma alternativa terapêutica às fragilidades que alcançam o personagem,
no entanto, a narrativa destaca que a superação dos desencantos de sua alma produz
a exigência de caminhar no terreno pantanoso de suas emoções mais íntimas, as
quais, ao serem manifestas e mediadas pela literatura, o desafiará a discernir
que ficção e realidade são experiências diversas.
Verdadeiramente O Autor é
um grande filme!
Por Maurício Alves.
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