
Este texto não contém spoiler
A
medicina perfaz um dos meios mais objetivamente criativos forjados pelo ente
humano para seu próprio cuidado, cuja evolução demonstra o quão obstinadamente
pessoas, ao longo da história, se dedicaram a explorar os mistérios por trás de
nossa constituição psíco-anátomo-fisiológica, com vistas a desvendar os fatores
que determinam os danos a nossa higidez física e mental. Essa história de
determinação e amor pela criação das condições para os meios de tratamento e
cura de enfermidades, fora marcada também pelo obscurantismo que resistia às
tentativas de avanço das técnicas de intervenção sob o fundamento de razões
frequentemente religiosas.
“O
Físico”, obra ficcional e cinematográfica baseada no livro do jornalista Noah
Gordon, que narra o drama pessoal de Rob Cole, um menino da
Inglaterra da idade média, cuja vocação para a medicina se manifesta quando,
obrigado a lutar pela sobrevivência em razão da morte da mãe e separação de
seus irmãos fruto da ganância e maldade de um padre, se vincula a um
“barbeiro”, alcunha que designava os indivíduos supostamente dotados de
habilidades “medicas”, os quais vendiam seus serviços para as comunidades em
que se instalavam.
No
filme, vemos um garoto que, acossado profundamente pelo desejo de compreender
as questões de natureza médica, de modo heroico, atravessar o oceano para
estudar com a maior autoridade da medicina do mundo, o persa Ibn Sina, personagem
magistralmente interpretado pelo grande ator Bem Kingsley, o qual desenvolvia
suas atividades no Egito mulçumano.
O
desejo visceral de aprender perfaz o combustível para que o jovem enfrente os
mais difíceis obstáculos, cuja superação deriva de sua convicção de que os
limites impostos pela cultura religiosa devem ser vencidos pelo olhar objetivo
e prático que a ciência legou à humanidade, cujo fim reside em cuidar das
pessoas.
Em
um mundo desertificado pela insensatez e insensibilidade, o filme oportunamente
nos propõe refletir sobre o amor pela medicina, condição muito mais ampla que o
mero apreço por um determinado domínio do saber, tendo em vista seu fim
consistir na ideia de que tal área do conhecimento está fundada numa prática de
amor para com o outro.
Cumpre
ressaltar uma das falas daquele que se tornaria o mestre do jovem, um dos
homens mais cultos do mundo, o qual afirmava que no Madraçal, local em que os
doentes eram tratados, ou seja, uma construção antecipatória ao que modernamente
a humanidade nomeara hospital, não se tratava da doença e sim do indivíduo,
significando uma percepção holística e sobretudo humanizadora, à medida que
reconhece a pessoa como eixo e centralidade do processo tratamento/cura, uma
vez que o princípio da dignidade humana, consagrado mais tarde em todas as
constituições modernas do mundo ocidental, é incorporado, em que pese a
ausência de declaração explícita, ao exercício da medicina, tendo em vista nortear
a compreensão de que o ser humano não deve ser enxergado como mero objeto de
intervenção.
Ora,
a superação dos obstáculos pelo personagem central e seu grande amor pela
medicina, o transforma numa figura arquetípica, marcada pela noção de que a
vocação e o amor serão sempre os elementos a definir um médico (a). A narrativa
nos informa que tal condição, inegavelmente, está inscrita no fato de que a
superação dos grilhões da religiosidade insana e perversamente disseminada, a qual, durante muito tempo tornou o mundo
mais nebuloso e sombrio, reside, de modo
fundamental, na perseverança e determinação das investigações científicas, a fim
de que a aurora de novos dias ilumine corações e mentes humanas à conquista de
maior conhecimento. E sem arrogância!
Por
Maurício Alves.
@questaodecinema
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