Pular para o conteúdo principal

Lapso de Eternidade

Há ocasiões em que nos detemos tempo tão significativo diante de alguma coisa, com o olhar fixo em uma única direção por um lapso de eternidade contido às vezes em apenas um minuto, que nossos olhos praticamente não reagem, não piscam. De certo modo, tal experiência não é, necessariamente, um ato involuntário, uma vez que a maneira como algo captura nossa atenção evidencia o poder nele contido a ponto de que o tornemos prioridade, tendo em vista os novos significados de que se revestem as coisas sob sua mediação. 

Sob tal perspectiva, resta igualmente relevante, aceitarmos que a devoção com que nos comportamos em relação a uma imagem, seja ela tangível ou expressa sob a impalpabilidade de uma ideia, ressalta o quanto nossa adesão se realiza como resultado eletivo marcado pela vitória da subjetividade afetiva sobre a suposta objetividade racional.

A compreensão acerca dos estímulos que nos encaminham à eleição daquilo que constitui prioridade em nossas vidas pode ser, de modo objetivo, verificado na opção pela prática do futebol, em torno da qual inexiste, em regra, considerações acerca de sua relevância para a saúde física e psíquica, posto a razão imediata estar vinculada, exclusivamente, ao bem estar inscrito na subjetividade de quem o pratica, ou seja, no cenário encrustado na psique humana em que a bola, o campo, a trave e demais elementos configuradores desse esporte compreendem dados de natureza semelhante, portanto, suficientes para que as emoções predominem de modo a que o amante de tal modalidade esportiva a absorva e eventualmente a situe no topo de sua agenda de lazer.

De outro lado, optar pelo xadrez parece estar em consonância com o mesmo princípio motivador, em que pese as profundas diferenças entre as modalidades em comento, pois, enquanto no futebol o indivíduo põe em marcha intensa e integralmente suas faculdades cerebrais repercutindo-as fisicamente, no xadrez a densa atividade mental se expressa sob pouca mobilidade dos membros anatômicos. Contudo, ambos perseguem objetivos parecidos, para o qual impende a necessidade de concentração com vistas a aplicar a mais adequada estratégia ao propósito de suplantar o adversário: um, por meio do gol; o outro, através do xeque-mate.

Ao lado dos jogos acima aludidos é oportuno também destacar o processo eleitoral, mas, de modo a melhor ilustrar o objetivo da exposição, tal exemplo será demonstrado com vistas a capturar o ponto de vista do eleitor, com escopo na identificação de qual seria o elemento preponderante a determinar a escolha de seu candidato, razão por que, empiricamente é constatável que o motivo básico que determina o voto a um candidato é o fato de que o eleitor, em regra, escolhe não um político, mas um personagem com suficiente potencial para tocar sua subjetividade por meio de narrativas que se acoplam ao seu perfil; e até mesmo o eleitor mais ponderado está sob o manto da influência emocional, uma vez que, mesmo a frieza contida na avaliação desapaixonada não se mostra capaz de suplantar eventual antipatia por determinado político em que pese razões de natureza racional demosntrarem ser a mais adequada escolha. 

A questão de fundo a ocupar a presente especulação, reside na ideia de que a prioridade que conferimos aos objetos de nossa atenção, ainda que estimulada por profunda atividade reflexiva, de modo preponderante, decorre da escolha afetiva, sobretudo porque não parece razoável, por exemplo, a um amante de literatura que os livros de determinado gênero não lhes sensibilize de modo a justificar sua adesão, igualmente um cientista, cuja devoção a certo domínio de saber não resulte de um encantamento que excede a qualquer outra área, cuja razão pertence ao campo de sua subjetividade.

Até brotar a primeira flor de primavera, o outono será a eternidade na qual cultivaremos as sementes do amanhã, por isso, o olhar que se fixa num ponto que carrega significado, compreende oportunidade única para refletir a experiência das estações anteriores, manter atenção às sutilezas que o objeto de observação manifesta no presente bem como conceber cenários sem construir demasiada certeza. As duas últimas condições representam um desafio à serenidade, ao equilíbrio, haja vista que, não obstante a requerida atenção às sutilezas perfazer condição inafastável a qualquer projeto existencial, tendo como pressuposto a salutar razoabilidade que nos educa para não sucumbirmos ao excesso de expectativas, é fundamental que nos mantenhamos prontos para lançar olhar eterno - mesmo que dure apenas um átimo de tempo - sobre aquilo que possui significado em nossa existência.


Em algum lugar na Via Láctea,

Maurício.






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sonhos, significados, sentido

A frase O universo numa casca de Noz, cunhada pelo grande matemático e físico teórico Stephen Hawking, a qual intitula um de seus extraordinários livros, constitui indicativo de que o tamanho das coisas não abriga, necessariamente, relação de proporção com seus significados. A esse respeito, basta observarmos a natureza e as sutis apreensões que dela advêm, uma vez que, permitindo-se escutar com sensibilidade o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas ou mesmo o impacto de uma queda d’água em seu pouso sobre as rochas, conceberemos uma peça musical inaudível aos que não se permitem sonhar.   Sonhos possuem o condão de nos fazer enxergar em diminutos elementos, grandes significados, os quais correspondem ao sentido de nossa existência e nos permitem aceitar o quão graciosa e repleta de poesia é a vida, cuja evidência resta comprovada quando, por exemplo, dominados pela espontaneidade lançamos pequenas pedras em direção a um rio ao dele nos aproximarmos.   Tal con...

Evangélicos e generalizações

        A generalização atribuída ao chamado campo religioso evangélico no Brasil, traduz um equívoco pontual e importante, à medida que sua feição difusa, diversa e em muitos aspectos caótica, oculta a expressão de dogmas - no interior de tal corrente - oriundos da ideologia neoliberal incrustados especialmente  nos modos de enxergar as desigualdades, as quais não resultariam - à luz da interpretação de suas lideranças mais expressivas midiaticamente - das condições de natureza histórica vincadamente marcadas pela prevalência de interesses da elite economicamente opressora, todavia, da passividade ou diligência dos crentes em face das "naturais" adversidades que desafiam a existência e, por consequência inescapável, a fé.     O maneira de discernir o tema da desigualdade por parte (incorro em deliberada generalização) dos evangélicos, importa no vínculo imediato que a inevitabilidade do sofrimento possui com o grau de credulidade nas promessas ...

Ferramentas da Ausência e do Silêncio

Aceitamos, que aplicativos e quaisquer artefatos pós-modernos à nossa disposição, se encarreguem de promover uma facilitação das interações humanas, tornando-as tão rápidas e dinâmicas de modo a transpor, num diminuto lapso de tempo, qualquer obstáculo geográfico. Em que pese tal promessa haja se confirmado espantosamente, o fato igualmente concreto compreende a tragédia relacional decorrente de tamanha condição viabilizada, expressa no isolamento e - contraditoriamente - quase ausência de diálogo entre nós a despeito de podermos ferir uma pequena tela com os dedos para nos "conectarmos" instantaneamente. O distanciamento entre os indivíduos é anterior à pandemia, razão por que o surgimento deste fenômeno epidemiológico impôs, ao campo relacional imediato a necessidade de enxergarmos, por meio da reclusão forçada, as vísceras de uma sociedade adoecida e cuja diferença compreende o fato de que antes fomos nos afastamos sutil e "voluntariamente", e, agora, abrupta e d...