
A
experiência do dilúvio nos leva a um lugar de bonança, tendo em vista tal
assertiva corresponder a um princípio universal, pautado no fato de que a ordem
sucederá ao caos e vice-versa. Tal fluxo assemelha-se à experiência humana do
nascimento, evento marcado por uma profusão de informações caóticas que a luz
inicialmente impõe à criança, sem as quais estaríamos impossibilitados ao
desenvolvimento de uma articulada e eloquente motricidade que nos faz
prosseguir.
Caminhar
para uma direção que guarde significado traduz a analogia acima esboçada,
exercício para o qual haveremos de nos valer de tantos outros arranjos ao
enfrentamento do caos que por vezes visita nossa vida e, com vistas a ilustrar
o tema em comento, uma das produções cinematográficas que exemplificam
“tempestade” e “bonança” existenciais com poesia e ao mesmo tempo objetividade
é o conto BEN-HUR.
Roteiro
que reproduz em enorme medida a jornada do herói, conceito forjado por Joseph
Campbell em seu livro O poder do mito,
no qual desenvolve a ideia de que as narrativas míticas obedecem a uma linha
claramente defina por 12 (doze) passos, nos quais o herói, alguém comum que se
defronta com um problema que exige solução, certamente compreende uma daquelas
obras – singelas em sua construção narrativa – em que a tempestade existencial
poderá embrutecer ou depurar o caráter humano a ponto de produzir, conforme
oração do rei Davi em um de seus célebres salmos, um “espírito inabalável”.
Em
BEN-HUR, conto originalmente natalino escrito no século XIX e com versão para o
cinema que lhe conferiu a conquista de nada menos que 11 (onze) Óscar (1ª
versão), um jovem pertencente à linhagem real da nação israelita na era Cristã,
tem sua vida sacudida por uma terrível experiência de injustiça perpetrada por
Roma, levando-o da condição de nobre hebreu a de escravo do império.
A
despeito dos riquíssimos detalhes que definem a obra, os quais abarcam
conteúdos de natureza histórica e antropológica, resta oportuno destacar que o
período de cativeiro de BEM-HUR fora marcado pelo visceral e negativo desejo de
vingança, alimentado por cada chicotada e humilhação sofridas nas galeras de um
navio de guerra, no qual as condições eram tão terríveis que a miserável
existência tinha seu prazo de validade rigorosamente definido em no máximo 2
(dois) anos.
Ao
retornar a Jerusalém, o herói encontra-se absolutamente absorvido pelo desejo
de vingança, a qual se converte em principal elemento para retribuir ao inimigo
todo o mal que lhe fora infligido, contexto marcado pela descoberta do
paradeiro de sua mãe e irmã, das quais fora roubada a dignidade, obrigados a
viver no vale dos leprosos junto a outros infelizes cuja existência fora
reduzida a aceitar o sofrimento como única condição viável de sobrevivência.
Relativizado
pelas circunstâncias, marcadas agora pelo desejo de cura e resgate de sua
família, o amor por sua antiga serva e a inesperada oportunidade de passar a
limpo suas convicções pelo poder transformador do Evangelho, decide resgatar
valores fundamentais que reavivam a esperança que o faz perseverar para obter,
além da purificação de sua mãe e irmã, o resgate, pela fé e amor, de sua
própria vida.
Cumpre
destacar duas dimensões do conflito aqui apresentado, uma de natureza objetiva,
a qual situa-se no lugar de revolta que absorve a alma do personagem, condição
absolutamente compreensível e aceitável pois a vida harmônica e privilegiada
que outrora gozava, converte-se em deplorável e insuportável experiência. A
outra, ocupa a sua relutância em renunciar à sanha vingativa que o movera até
ali, e a viabilidade disso residiria no fato de experimentar o status de homem
livre e rico, condição ainda insuficientes para dissuadi-lo de seu propósito.
O
judeu inicia, após a morte de Messala, o amigo de infância que o traíra
tornando-se o objeto imediato de sua vingança, um processo de restauração de
seus valores a partir do perdão àquele que arruinara sua família e, sobretudo,
do perdão a si, momento em que o dilúvio que o afogara em ódio e desespero
começa a converter-se em bonança por meio da revelação do Cristo, que se
manifesta no coração cheio de fé e esperança da mulher que ama.
Um
coração pacificado pela fé decorre do entendimento de que a experiência da
tempestade que precede a bonança, corresponde a uma espécie de novo nascimento,
o qual, para o personagem BEN-HUR, seu lugar de realização fora a admissão de
que, o perdão do Cristo na cruz aos que o vilipendiavam, arrancara a espada de
suas mãos, o que o fez retomar o fluxo de sua jornada em amor e paz redentora.
Maurício Alves.
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