
"Forrest Gump - o contador de histórias" foi um dos filmes mais prestigiados nos anos 1990, cujo roteiro notabilizou-se por proporcionar ao público a possibilidade de passar em revista preconceitos oriundos de crenças relativas a supostas limitações de um portador de retardo mental. A proposta de uma ruptura com o condicionamento imposto pelo preconceito certamente foi um dos legados dessa linda e encantadora produção que nos faz refletir mais profundamente sobre o que estimula nossa caminhada na existência.
A película, carregada de lirismo e poesia, traduz o desejo - ainda que silencioso - de escrevermos o roteiro de nossa trajetória, a qual, muitas vezes, é reduzida ao simples cumprimento de recomendações alheias, nos fazendo esquecer que nossos projetos precisam fundamentalmente pautar-se naquilo que elegemos como relevante.
Gamp, a despeito de sua peculiar condição (especial), é um personagem que reproduz uma espécie de surto que nos compele à realização daquilo que acreditamos, dos sonhos que nos move a alma, pois, além de demonstrar uma absoluta disposição para a ação, o faz de modo tão inacreditavelmente objetivo que, inconscientemente, somos levados a acreditar que sua disposição é fruto de algum elemento mágico, razão por que, a certa altura, seus seguidores, durante uma longa maratona empreendida, o questionaram acerca do propósito daquela corrida.
Eis um ponto essencial na narrativa, qual seja, a ideia de que deva existir um propósito, uma razão, uma condição para que nos movamos, para que realizemos algo, o que, no caso do "jardineiro do Alabama", consistiu apenas numa repentina vontade de correr, ato tão despretensioso, que só poderia ser validado pela média em razão da "necessária"existência de um objetivo - ainda que oculto.
Não obstante a declarada inexistência de uma razão concreta para a exaustiva travessia que realizou o personagem em tela, resta clara sua autonomia no que toca às decisões que assumiu, seja ao ingressar nas fileiras do exercito ou lançar-se numa corrida que, inicialmente, compreenderia apenas os limites de sua cidade natal, mas, num ímpeto nascido no interior de sua subjetividade, extrapolou as fronteiras que se interpuseram no caminho, as quais, a cada encontro, o impelia a prosseguir.
Persistir em algo em razão de uma decisão pessoal que não se vincula a qualquer tentativa de corresponder às expectativas dos outros exige coragem, pois tal postura indica uma força de caráter presente naqueles que pouco valorizam o reconhecimento de terceiros ante a realização de um projeto importante, o qual é fundamentalmente relevante para si, não permitindo que sua conquista se converta em objeto de fetiche, mas na salutar satisfação pessoal.
Rejeitar a sedutora auto divinização que costuma flertar com aqueles que realizam feitos extraordinários corresponde a um sinal de maturidade, significando romper com um padrão de vaidade que aflora os espíritos afetados pelos louros da vitória, cuja relevância desta deve residir na inspiração a outros e, sobretudo, no significado pessoal que produz, à medida que as realizações, para se tornarem verdadeiramente relevantes, precisam alinhar-se ao reconhecimento de que a vida é um verdadeiro achado, uma experiência riquíssima apenas pela oportunidade de poder contemplá-la.
Esta foi uma lição lindamente ensinada pelo 'contador de histórias', personagem interpretado pelo talentoso Tom Hanks, pois, se sua condição pessoal provoca a noção equivocada de inaptidão para significativa quantidade de tarefas, a ruptura de tal condicionamento preconceituoso restou esmagada pela diversidade de papéis que o delicado e puro Forrest desempenhou, demonstrando que a vida, a despeito dos propósitos que elegemos, deve ser aproveitada com autonomia para que encontre seu verdadeiro sentido.
Por Maurício Alves.
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