
Breve nota
A criatividade é considerada um mecanismo de adaptação, a qual perfaz meio fundamental à sobrevivência dos seres. Sob esta ótica, ser criativo significa adaptar-se às mudanças da realidade em suas mais variadas dimensões, a exemplo do ambiente físico com o qual nos relacionamos de modo imediato.
Mas não apenas isso.
Ser criativo é igualmente trilhar o caminho da estética, da beleza e também o universo das relações humanas, pois a “produção da existência” compreende permanente exercício, especialmente no âmbito relacional, à medida que o ser humano é fonte criadora, razão por que é necessário cultivar as relações com o toque e valor da criatividade.
Reflitamos sobre isso!
O significado do encontro humano reside em reconhecer que este possui maior relevância que os ritos ou celebrações consagrados aos momentos aos quais atribuímos especial valor. As interações entre os humanos, adornadas por formalidades solenes, visam à convergência e harmonia, porém, não são capazes de evitar antagonismos e choques, os quais poderão ser superados se considerarmos que, à semelhança do artista, o qual maneja a tela com sensibilidade, nossas relações devem ser gestadas com o objetivo de atingir o “estado da arte”.
A “produção da existência humana”, cuja base compreende os ambientes relacionais, exige dedicação ao exercício da criatividade, pois se a vida é uma oportunidade para o aprendizado e enriquecimento pessoal, só atingiremos sua plenitude se aceitarmos que as relações humanas são uma obra inacabada, um jardim que depende de cultivo e dedicação para produzir flores; uma orquestra que conta com a condução do maestro para a execução de uma bela peça musical.
Sob tal concepção, produzir a vida, a despeito da oposição característica da condição humana, é buscar o acordo, a harmonia, um caminho que possamos percorrer em união fraterna, sem abrirmos mão da salutar diversidade que nos torna potencialmente criativos. Nesta senda, o estado da arte, expressão provavelmente originada de Aristóteles em sua obra Metafísica, na qual expõe sua convicção acerca da superioridade da ciência especulativa sobre a técnica, é a pedra de toque para enxergarmos que a razão fundamental de nossa trajetória é a busca pelo mais elevado nível de comunhão.
Em consonância com a ideia acima esboçada, se faz oportuna menção ao professor Domenico Demasi, o qual enfatiza a necessidade de se criar valor através do encontro, seja quando se “assiste a um filme ou discute animadamente com os amigos”, exercícios sempre acompanhados do “divertimento e formação” (Demasi; 2000, pág.9,), razão por que a criatividade é uma condição para que ajustemos nossas diferenças, a fim de que aprimoremos nossos encontros com a consequente aprendizagem.
Isto nos faz discernir, por exemplo, que a forma com que se revestem nossos ritos deve servir tão somente ao cumprimento de seu papel solene, e o conteúdo assumir, de fato, a primazia das convenções humanas, pois a dimensão fraterna, na qual os encontros proporcionam mútuo aprendizado/conteúdo, merece maior atenção. Ora, se assim não for, qual a relevância de uma impecável cerimônia de casamento se seu fundamento não for o desejo do encontro de duas almas? Qual o sentido em realizar uma bela solenidade de formatura se a vocação dos formandos não estiver no ofício para o qual dedicou anos de estudo?
Em linhas gerais, ser criativo é uma condição fundamental para alcançarmos o estado da arte em nossas relações com os outros, pois, uma vez inseridos nela, nosso nível de exigência à produção da vida cresce, seja em perseguir a realização profissional ou mesmo em curar as dores relacionais que esmagam nossa capacidade de atingir a plenitude existencial.
Em síntese, reconhecer a relevância da criatividade para vivermos as relações humanas de modo saudável e fecundo, é fundamental para criar e permitir-se moldar por aqueles com os quais nos relacionamos, pois cada encontro, acima das convenções solenes, é uma oportunidade para aprendermos, ensinarmos e, sobretudo, crescermos em humanidade, pois é nos encontros que o valor da amizade, respeito, amor e consideração afirma sua solidez.
Salvador, 5 de maio,
Maurício Alves.
Maurício Alves.
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