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Mostrando postagens de janeiro, 2021

Liberdade Tributária

O ar constitui elemento para cujo uso não precisamos pagar, e esta gratuidade não é objeto de nenhum questionamento haja vista o mesmo ser parte constitutiva de nós, e, para esta conjugalidade orgânica, resta legítima a carência de fundamento ao direito de nos servirmos deste componente vital. Desta relação intrínseca, extraímos a percepção de que a experiência da pandemia ao impor um significativo conjunto de cautelas - notadamente o uso de máscaras - tem nos indicado, simbolicamente, que a exigência de acentuada responsabilidade na adoção dos cuidados comportamentais gerou a noção equivocada de que está em vigência uma espécie de tributo à utilização do ar, expresso nas limitações em nossa liberdade em cujos capítulos se inscrevem a necessidade de pensarmos a respeito. Respirar é ato precípuo à existência humana, exercício para o qual não se demanda grande disposição tendo em vista a espontaneidade com que o realizamos, condição que se caracteriza pela absorção e dispersão de ar em n

Memória e Armadilha Afetiva

É comum a memória de tempos passados carregar a credulidade de que os mesmos foram mais intensos, felizes e significativos que o presente, haja vista a prevalência do afeto nas narrativas, condição que coopera ao resgate do brilho e sensações antigas na experiência de rememorá-los. O discurso de que os dias de outrora encarnaram virtudes ausentes à atual quadra histórica parece não apenas indicar saudosismo em muitos de nós, mas, semelhantemente, uma importante tendência à negação de nossa responsabilidade à criação das condições para que os significados possam ser enxergados nos dias de hoje. Lembrar o passado consiste num exercício de natureza fundamentalmente afetiva, no qual revisitamos sabores, sentimentos, sensações, dores e alegrias, pois é da natureza humana recorrer à memória de modo a produzir estímulo, compreensão e significado existencial. Contudo, o hábito de desencadear tantos elementos guardados nos sótãos da mente a partir das lembranças - algumas obscurecidas pelo temp

Perdas e Ganhos

A observação das mudanças no ser humano pode ser um exercício interessante se realizado sob o filtro do tempo, pois, a experiência de envelhecer compreende mudanças em nossa fisiologia que podem ser discernidas como sinais relacionados a cada transformação que se opera, subjetivamente, como perda e/ou ganho à formação do caráter. Cada ausência é uma oportunidade à aquisição de algo para cobrir a lacuna, ou seja, se uma linha de expressão ou ruga indicam envelhecimento, tal condição resulta em maturidade.         Enxergar o processo de envelhecimento como possibilidade de reconhecer as mudanças que se operam na subjetividade humana,  a partir da concepção de que cada marca ou expressão física  corresponde a uma transformação no caráter seja pelo acréscimo ou supressão de determinada característica, perfaz uma interessante metáfora ao mapeamento e tentativa de compreensão do inevitável processso de transformação pessoal.  Se uma ruga ou linha de expressão facial denotam vínculo com a cro

Ferramentas da Ausência e do Silêncio

Aceitamos, que aplicativos e quaisquer artefatos pós-modernos à nossa disposição, se encarreguem de promover uma facilitação das interações humanas, tornando-as tão rápidas e dinâmicas de modo a transpor, num diminuto lapso de tempo, qualquer obstáculo geográfico. Em que pese tal promessa haja se confirmado espantosamente, o fato igualmente concreto compreende a tragédia relacional decorrente de tamanha condição viabilizada, expressa no isolamento e - contraditoriamente - quase ausência de diálogo entre nós a despeito de podermos ferir uma pequena tela com os dedos para nos "conectarmos" instantaneamente. O distanciamento entre os indivíduos é anterior à pandemia, razão por que o surgimento deste fenômeno epidemiológico impôs, ao campo relacional imediato a necessidade de enxergarmos, por meio da reclusão forçada, as vísceras de uma sociedade adoecida e cuja diferença compreende o fato de que antes fomos nos afastamos sutil e "voluntariamente", e, agora, abrupta e d