A atual crise brasileira destaca-se pela gravidade,
cujas gigantescas implicações alcançam todos os segmentos sociais, tendo em
vista a natureza difusa que a caracteriza. Suas raízes estendem-se às regiões
abissais do tenebroso mar de vicissitudes políticas, bem como às complexas
fórmulas de que se reveste a ciência econômica, formando o binômio
política-economia a protagonizar o cenário do qual escoam análises imantadas
pela frieza racional, típica do homo economicus e o fervor beligerante
produzido pelos lábios do animal político, conforme definição
aristotélica.
Os temas que se inscrevem na tábula de reivindicações
do povo brasileiro não são novos, porém, sua eclosão profusa dá ideia do quão
grave é a crise. A ocupação das ruas também não é fenômeno recente, no entanto,
a tentativa de caracterizar sua atual manifestação como não política - a rigor
uma reação de setores da sociedade civil (leia-se classe média) em indicar como
apartidária tal mobilização - causa estranheza, embora o repúdio à corrupção
compreenda tema suficiente para provocar indignação em qualquer sociedade cujo
regime seja - ainda que formal - a democracia, e, como tal, será legítimo o
clamor com tom e voz alinhados à tessitura da cidadania.
Corrupção, crise econômica e política, projetos de lei
que indicam o vigor do antagonismo de diferentes correntes. O cardápio
compõe-se de uma tão grande diversidade, que tentar pinçar um dos elementos da
crise como objeto para reflexão inevitavelmente implicará atingir outros, em
razão da interconexão que os comunicam. A partir dessa perspectiva, merece
atenção o vasto campo de mazelas que afligem (nenhuma novidade) a república
brasileira, mormente a diminuição da maioridade penal para dezesseis anos, a
qual provoca um debate a exigir que a sociedade detenha-se nela de modo
especial, haja vista tal questão realçar a típica ambivalência presente em tão
sensível conteúdo, sobretudo em razão da colisão entre o sentimento da justa
retribuição (vingança) causada por um ato lesivo (crime) e a razoabilidade,
princípio este norteador à criação e aplicação da norma jurídica.
Para os atores que defendem a diminuição da maioridade
penal sua apologia ampara-se, dentre outros, no previsível apelo "E se
fosse com seu filho ou outro familiar?", bem como na faculdade do voto aos
dezesseis; aos opositores, em grande medida agentes comprometidos
institucionalmente com a proteção ao público alvo do PL, a polêmica norma
alcançaria, quase que em sua plenitude, indivíduos negros e pobres, alargando
sobremaneira o fosso social que distingue os jovens brasileiros.
A altercação entre as correntes contagia diversos
setores, tais como núcleos de proteção aos direito humanos, com fulcro na
criança e adolescente, destacando-se, em tal dimensão, a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), a qual, através de seu Conselho Nacional já se posicionou
contrária à redução posto que tal medida, dentre outras implicações, relativizaria
a legislação protetiva ao incapaz.
Mister destacar que a propositura de uma lei que pertence ao quadro de política criminal perfaz - ao menos idealmente - elemento resultante de uma demanda social, haja vista o enorme crescimento da violência. No caso sob exame questiona-se de onde verdadeiramente deriva o clamor pela redução da maioridade penal: será, de fato, uma exigência da sociedade, ou lobby de setores que lucrariam com a aprovação do projeto, os quais, por força de tal contingência, instrumentalizariam parlamentares à finalidade mercadológica? Relevante sublinhar que um dos argumentos propostos pelos defensores diz respeito ao fato de o adolescente de dezesseis anos possuir a faculdade do voto, embora este discurso não responda à cooptação de menores de quinze anos, por exemplo, por criminosos, fato que já ocorre em boa medida.
Nesta rota, questiona-se se o voto aos dezesseis
perfaz dado orientador à apreensão de que o mesmo deve ser responsabilizado
criminalmente, uma vez que os indicativos de que a classe política não conta
com a simpatia dos adolescentes são incontestáveis, rejeição expressa
especialmente no fato de que, um ano após as manifestações que impactaram o
Brasil em junho de 2013, apenas um quarto 1/4 dos jovens entre 16 e 17 anos
procederam à inscrição eleitoral junto aos Tribunais Regionais (TREs) para
emissão do título de eleitor (fonte TRE). A faculdade do voto, diante de números
tão baixos, encontra razão, ao que parece, apenas na tentativa do meio político
em amealhar votos de uma fatia substancialmente numérica do eleitorado
brasileiro, ou seja, sua intenção não necessariamente vincula-se à percepção de
que aos indivíduos dessa faixa etária deve-se oportunizar a militância na vida
política, haja vista a evidência de que especialmente a juventude não se
considera representada nos espaços de poder.
Essas discussões ocorrem no interior de um verdadeiro
dilúvio, cujos conteúdos de natureza econômica e política se misturam, haja
vista a primeira, no presente contexto, corresponder aos equívocos do governo
federal, cuja conta, altíssima por sinal, o povo brasileiro está pagando, a
segunda exsurge dos interesses da pluralidade partidária que caracteriza nossa
democracia, a qual nomeia-se, com acerto, crise político-econômica.
Apreende-se com relativa facilidade que nesse quadro se pintam temas para variados propósitos, seja à manutenção do poder hegemônico, bem como ao serviço de derrogar tal status quo. Esses embates são, sem sombra de dúvidas, de origem política, os quais obedecem a uma dinâmica própria, baseada na guerra que marca a busca, manutenção e alternância pelo poder.
Outra dimensão igualmente importante é a área econômica,
a qual, cingida por uma lógica peculiar, igualmente aplica a beligerância para
se atingir o equilíbrio dos mercados. A evidência disso reside, por exemplo,
nos nichos de certos setores econômicos que o cenário de crise oferece à
exploração, cujo discurso originado do projeto de sobrevivência capitalista
convence-nos da importância à sua adesão. Quem não se lembra, por exemplo, da
verdadeira invasão às prateleiras dos estabelecimentos comerciais da poupa de
fruta, a qual tornou-se não apenas alternativa mas a "melhor" opção
de consumo em função de sua praticidade? Como desconsiderar, também, o periódico
surgimento de ferramentas tecnológicas, cuja existência não deriva de nossas
reais demandas, mas, sim, da espiral capitalista a inaugurar novas eras que
impõem a “necessidade” de aquisição de novos artefatos, dos quais não podemos
prescindir sob pena de experimentarmos novas modalidades de exclusão.
Tecidas tais considerações, convém sublinhar que as
fragilidades do contexto político - econômico vigente constituem a origem de qualquer
instabilidade social, a partir da qual os atores do poder elegerão, abrasados
pelas chamas das convicções ideológicas, o caminho a revelar nosso modelo de
nação, o qual, em razão do programa que preconiza a necessária síntese entre
dirigismo estatal e liberalismo decorrente da Constituição de 1988, definirá o caráter
e alcance da responsabilidade do jovem de dezesseis anos na agenda da política
criminal, escolha que, por certo, será simbólica e concretamente marcada pelo
binômio política-economia.
Maurício Alves
Advogado
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