Há cinco anos participei de uma reunião de pais e professores na escola em que minhas
filhas estudavam, e surpreendi-me com algumas palavras proferidas pela
coordenadora pedagógica. As expressões fluíam de tal modo, que senti uma
pontinha de inveja por não ser profissional de educação, a despeito de
reconhecer as agruras que um educador tem de enfrentar em sua trajetória, pois o
brilho nos olhos daquela mulher refletia o prazer, o estado de encantamento por
pertencer àquele quadro de pessoas cuja relevância para qualquer sociedade é
simplesmente vital.
Iniciara o ano letivo e a instituição convidara os pais à apresentação da proposta pedagógica por meio do conteúdo programático adotado. O início da exposição correspondeu a um flerte, pois propunha assistirmos um vídeo com fotos a reproduzir as práticas adotadas, o qual nos seduzia pelos sorrisos de nossos filhos na área de recreação, salas e demais espaços, tendo ao fundo uma linda música infantil cujo tema era a semente de girassol.
A
metáfora era simples, clara e bela, uma vez que as crianças eram comparadas à
semente de girassol, a qual se adapta ao ambiente de modo heroico, cuja relação
com a luz perfaz o fundamento de sua existência, pois, ao alcançar constituição
plena, se dilata para o sol como uma criança que abre os braços ao afago de
seus pais.
Após as considerações de alguns educadores, a coordenadora passou a comunicar-se conosco, detalhando cada aspecto que compunha o modelo das práticas ali empregadas, num estágio em que, encantados pelo discurso daquela mulher, e mesmo carente da solidez que o tempo proporciona aos relacionamentos, o flerte caminhava para um namoro.
Muitos
pais realizaram intervenções por meio das quais expressaram dúvidas, e
propuseram sugestões, as quais, em boa medida, foram acolhidas pela
instituição.
Todo
início de namoro impõe cuidados, sobretudo com as palavras, as quais, colocadas
de modo inoportuno, geram traumas que, a depender da gravidade, implicam o
desfazimento de uma relação com potencial para a eternidade.
A
certa altura, a pedagoga passou a tratar dos meios pelos quais as crianças
iriam iniciar sua relação com as palavras, as quais foram designadas por
“cursiva” e “bastão”. Opa!!! “Bastão?!” Palavra “bastão?!” Confesso que foi a
primeira vez que ouvi aquilo, contudo, mesmo perplexo, disfarcei para não
permitir que flagrassem minha cara de quem não entendia o que o vocábulo
designara.
A mulher parecia tomada por um desejo insano em repetir, como uma metralhadora que tem em alça de mira seu mais odiado inimigo, aquele "palavrão" que, de tão superlativo, soava ininteligível.
Após alguns minutos, um pouco frustrado, iniciei uma análise contextual da fala daquela senhora, antes de socorrer-me com alguma mãe ou pai para saber o que significava bastão. Num lapso temporal relativamente curto, discerni tudo a partir da comparação entre aquela e a palavra cursiva. Ora, esta consistia nas letras maiúscula e minúscula, aquela, alcunhada de “bastão”, uma novidade para mim, era em verdade a letra de imprensa ou fôrma..
Sanada a má impressão, ficou claro que a palavra bastão, nomenclatura desobscurecida finalmente, constitui a primeira experiência das crianças no campo da escrita. Depois de algum tempo refletindo sobre aquela experiência, discerni que aquele jargão pedagógico possuía aplicativo a inúmeras áreas da vida, à medida que reconhecêssemos uma espécie de engessamento, certa ausência de flexibilidade imanente em qualquer elemento que guarde relação com o caráter da palavra bastão.
Ela compreende o primeiro modo de expressão gráfica para as crianças nos períodos iniciais da experiência educacional, porém, as mesmas devem ser igualmente estimuladas ao exercício da palavra cursiva (minúscula e maiúscula).
Esse aparente eufemismo no trato dualístico de tais modalidades, parece indicar o propósito de uma salutar relativização, na qual, o primeiro referencial (bastão) cumpre seu papel, qual seja abrir as portas da expressão escrita, na qual a palavra cursiva se insere de modo complementar, promovendo à criança o trânsito nas duas dimensões.
O
signo bastão compreende, nessa perspectiva, a rigidez, a disciplina, sem a qual
não se aprimora o espírito. O cursivo propõe a sinuosidade, a flexibilização,
cuja ausência representaria a negação à individualidade, criando um cenário de
seres iguais, à semelhança de produtos da linha de produção de uma indústria.
As imagens supra aludidas realçam a relevância do educador para o fato de que seu ofício deve realizar-se a partir do diálogo entre disciplina e flexibilidade, condição que define a sensibilidade daqueles cujo brilho no olhar expressa o real significado de seu engajamento educacional, qual seja, reconhecer sua atuação como meio para se atingir excelência nas relações sociais e institucionais, significando afirmar que aquelas palavras ditas pela pedagoga, me compelem a admitir que o namoro culminará em casamento, razão por que declaro, sem receio algum,
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