O espaço público, ambiente de ocupação por excelência, perfaz o território no qual o capoeirista experimenta a plenitude de sua liberdade, condição primaz para que exerça seu importante papel na difusão e afirmação da cultura. Em que pese à rua representar um conteúdo intrinsecamente vinculado à própria essência da Capoeira, é perceptível uma predileção por espaços restritos destinados à sua prática, os quais, embora legítimos, quando não estimulados a exprimir a energia e vital pulsão pela qual a arte manifesta seus significados, reforçam uma cultura de confinamento.
Os
sinuosos caminhos traçados pela Capoeira foram marcados pelo impulso de
liberdade que seu exercício impunha, significando afirmar que a ocupação das
ruas pelos capoeiristas diz respeito a um modo particular de estar no mundo, de
expressar a arte em consonância com um sentimento de pertencimento ao chão da
existência, no qual a roda registra, análoga e concretamente, uma profunda busca
por autoconhecimento.
Por
gravitar em torno de uma órbita relacional que favorece ao agrupamento, a
Capoeira propõe em todos os espaços em que sua prática se manifesta, o imperativo
de que nos comprometamos com a liberdade, condição que expõe um dado essencial,
qual seja, a noção de que a arte encontra sentido pleno a partir do
compartilhamento, diálogo e necessários enfrentamentos elaborados na roda, a
despeito do lugar em que se realize.
Tal
assertiva nos indica que a roda provoca o capoeirista ao desafio de confrontar a realidade por meio do
exercício lúdico do jogo, cuja rua, campo de batalha no qual o mesmo afirma
publicamente seu “status” de liberdade, vai sendo resignificada pela
manifestação da arte que não se submete às condições limitantes impostas pelas
convenções sociais, à medida que expõe indivíduos (capoeiristas) livres,
comprometidos não com a reprodução comportamental da média, mas, sobretudo, com
a proclamação do profundo entendimento sobre seu papel na ciranda da vida.
Este
processo de apresentar-se ao mundo como ente vocacionado à liberdade,
semelhantemente se verifica quando o capoeirista expõe, em linguagem corporal, a
intuição que carrega ao elaborar o diálogo do jogo em ambientes fechados, e não
há como negar tal condição, haja vista a ânsia de liberdade, pulsão que se
apoderou de nossos ancestrais no período em que a infâmia da escravidão foi
perversamente praticada, corresponder ao elemento determinante à concepção da Capoeira
como instrumento que revela a vocação de ser livre!
A
Sob
tal ótica, a compreensão da rua como local em que o indivíduo expressa
livremente sua interpretação da existência, compreende um fenômeno particular à
Capoeira, à medida que traduz um exercício que redimensiona o mundo à peculiar
percepção do capoeirista, ou seja, o mundo é concebido e adequado à dinâmica da
roda, na qual questões de natureza íntima e coletiva são, simultaneamente, submetidas
àquele com quem se joga e aos observadores, que igualmente interpretam um
complexo conteúdo cenográfico.
Noutra
direção, a eleição de ambientes restritos como condição para a prática da
Capoeira sedimenta uma cultura de confinamento, ainda que ao lado de tal
escolha se afirme que não há negação da essência que empresta peculiar feição à
arte. Não há como sustentar este discurso caso a eleição supracitada renuncie a
ocupação das ruas pelos capoeiristas, esta sim (ocupação das ruas) traduz a
verdadeira condição para que o complexo e riquíssimo exercício de interpretação
da vida aponte sentido e razão de existir à Capoeira.
Estabelecer
ambientes fechados com vistas ao exercício da Capoeira resulta de uma
necessidade prática, ao lado da qual deve residir a compreensão de que a mesma
não é condição absoluta para que a arte seja praticada, ao contrário, a
condição inescapável para que a Capoeira se manifeste diz respeito à disposição
dos capoeiristas em interpretar a existência a partir de um olhar que persegue
a liberdade, exercício vinculado à ocupação das ruas como pressuposto para
provocação de si e da sociedade.
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