Ao
querido (a) leitor (a) apresentarei um quadro interessante, no qual, a esmagadora
prevalência da certeza absoluta sobre o salutar exercício da dúvida, inclina-me a considerar que nossas
decisões são, muitas vezes, amparadas pelo ímpeto da irreflexão, sobretudo quando a incerteza, terreno fértil para o brotar de nossas
convicções, é ignorada a despeito de indicar que o questionamento é
uma cortina por trás da qual reside a essência de um fato a ser descoberto.
Um
pai amargurado e ultrajado por seu filho adolescente, um homem ansioso por
comparecer a um jogo de beisebol, um corretor introspectivo, um idoso
ponderado, um homem de olhar inseguro, outro de presença vívida e espírito de
liderança; um propagandista confiante, um senhor irascível e fustigado pela
obstrução das vias aéreas, um jovem moderado e sociável, um rapaz sincero em
suas convicções, um atrasado para a reunião e todos concordes em relação ao
mesmo fato. O que faria 11 desconhecidos concordarem plenamente acerca de algo
exceto um homem, cuja convicção não significa, necessariamente, opinião
contrária àqueles, mas apenas conferir a si o direito de duvidar?
Certeza e dúvida habitam o mesmo terreno de
nossa consciência, no qual germinam e deitam raízes, determinando nosso estado
anímico frente ao desafio de nos posicionarmos em relação a um fato ou uma
ideia, aos quais a certeza quase sempre convém ser precedida da dúvida. Essa
condição de precedência, na qual a certeza se impõe após detido exercício de
cognição, em que o relativismo da dúvida coopera à reflexão, traduz o quão
importante para o assentar de nossas convicções é a incerteza inicial, sem a
qual não elaboramos as perguntas necessárias ao deslinde dos acontecimentos da
vida.
O
cenário introdutório compõe-se de um conselho de sentença ou simplesmente júri,
o qual, em sua diversidade, converge majoritariamente à mesma convicção, qual
seja, a de que alguém é culpado de algo haja vista o persuasivo encadeamento lógico
forjado pela narrativa acusatória dos fatos. Relativizar um relato composto por
sólida argumentação não é tarefa fácil, sobretudo quando o mesmo é corroborado
por elemento de prova testemunhal que lhe fornece a liga necessária a compactar
o todo.
O
filme em questão é “12 Homens e uma Sentença” de 1957, no qual os jurados
precisam decidir se absolvem ou condenam um jovem de 18 anos à pena de morte
(cadeira elétrica) acusado de matar seu pai. Ocorre que as peças se encaixam
tão hermética e perfeitamente, que um homem, personagem de Henry Fonda, contrariando
corajosamente a maioria, decide questionar a absoluta precisão com que a
promotoria expusera os fatos, bem como a certeza das testemunhas quanto à
culpabilidade do rapaz.
Em
que pese a rica reflexão que a postura do personagem de Fonda suscita, peço
vênia aos leitores para cotejar aspectos outros que creio sobrepor-se ao
elemento jurídico em si, haja vista a inevitabilidade de que a vida nos imporá,
em algum momento, a experiência de dependermos da decisão de outros para
definir o curso de nossa história.
Tal
condição nos acompanha mais do que possamos imaginar, pois não há como negar,
por exemplo, que na infância, em regra, os pais escolhem a escola em que seus
filhos irão estudar com base em seus próprios critérios; numa entrevista para a
almejada vaga de emprego, não obstante o alardeado discurso de que nosso
desempenho perfaz fator decisivo à conquista do pleito, em verdade, a decisão
estará nas mãos de quem nos avalia, e o exame em questão será submetido ao
crivo de suas próprias impressões.
Aceitar
que nossa trajetória poderá ser interrompida ou concluída em função do juízo e
decisão de terceiros não é algo confortável, e muito mais delicada é a condição
de um réu submetido ao escrutínio de estranhos, aos quais, acompanhar a
convicção de um promotor com absoluta disposição à condenação se mostra uma
alternativa conveniente.
Cumpre
destacar que a discordância do 8º jurado não propunha a inocência do rapaz, e
sim, a recusa em aceitar a conveniência de condená-lo sem um mínimo debate
acerca das circunstâncias do delito. Para tanto, propôs uma análise menos
restritiva do evento, incorporando aos fatos o conteúdo histórico e psicológico
dos envolvidos, bem como a relativização dos dados fornecidos pelas testemunhas.
O
roteiro expõe a fragilidade do fundamento sobre o qual a maioria dos jurados
estabeleciam sua certeza, pois, além de acolher de modo absoluto os argumentos da
acusação, pereciam considerar o papel da defesa uma peça formal,
substancialmente inválida.
Outro
importantíssimo componente presente na interpretação dos jurados é de natureza
subjetiva, pois todos expuseram, em graus variados, suas idiossincrasias, ou
seja, a análise do fato e sobretudo o convencimento acerca da culpabilidade
decorriam basicamente de uma interpretação suscetível à influência pessoal da
narrativa, significando afirmar, por exemplo, que o jurado/pai, agredido pelo
próprio filho, enxergava naquele jovem réu a imagem de sua maior tristeza, bem
como outro, de acordo com sua visão preconceituosa das pessoas oriundas de
bairros pobres, convencia-se a partir de um ponto de vista baseado em classe
social.
Malgrado
a assertiva de que em direito penal busca-se a “verdade real”, resta absurda a
convicção de quem ostenta a opinião de que, no processo judicial, tal condição
seja possível de ser alcançada plenamente. A melhor doutrina jurídica afirma
que a verdade constitui ideal a ser perseguido por meio de provas que, em
conjunto, emolduram o cenário posto à interpretação.
O
convencimento, portanto, não deriva da neutralidade do julgador, mas, da
imparcialidade, visto a primeira condição ser impossível, dada a personalidade
que nos individualiza, posto que nosso juízo será eivado, em alguma medida, das
impressões e subjetividades que nos são ínsitas, razão por que afirma-se imparcial
aquele que, marcado pela sujeição a princípios e valores que definem sua
identidade, afasta-se, o quanto possível, de tais elementos, caso os mesmos
tornem nebulosa sua interpretação.
Esse
clássico do cinema nos fornece algumas lições, dentre as quais destaco a
mensagem de que duvidar é um exercício fundamental quando o bem jurídico em jogo
é a liberdade e/ou reputação de um ser humano, condição que às vezes exige
enfrentar o repúdio de uma maioria ávida por decidir sem o amparo da reflexão.
Questionar e perseguir a verdade sob o entendimento de que o que se oculta nas
sombras das narrativas é tão ou mais importante que o exposto à luz, compreende
uma prática que nos liberta das convicções da média, permitindo enxergar e
pensar com autonomia e isenção.
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