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Sete Vidas: suicĂ­dio ou reinterpretar a existĂȘncia?

Este texto não contém spoiler





“Deus criou o mundo em sete dias. Eu destruĂ­ o meu em sete segundos”.


Esta frase, que inaugura o inĂ­cio do filme a ser apresentado, nos convida a uma reflexĂŁo sobre a culpa que fragiliza e esmaga o ente humano, sobretudo quando a convicção de que sua conduta cooperou, de modo determinante, a ocorrĂȘncia de um evento trĂĄgico, o qual torna inescapĂĄvel a ideia de abreviar sua caminhada existencial manifesta sob a pulsĂŁo fatalista do suicĂ­dio, cujo poder orienta para um propĂłsito essencial: matar o sofrimento. Noutro sentido, o amor, descrito num antigo provĂ©rbio bĂ­blico como algo “mais forte que a morte”..., desafia a condição humana de modo a apontar a um desfecho diametralmente oposto, qual seja, ressignificar a dor.

Sete Vidas Ă© um daqueles filmes cuja temĂĄtica entrelaça uma sĂ©rie de ricas discussĂ”es, tais como o direito Ă  disposição do prĂłprio corpo com escopo na doação de ĂłrgĂŁos, a negligĂȘncia no trĂąnsito, cuja afinidade entre as mesmas pĂ”e em relevo aquilo que parece compor o consenso universal quanto a busca de sentido para a vida, ou seja, o entendimento de que o amor, no fim das contas, fornece o significado para nossa trajetĂłria na Terra.

Ben, personagem do talentoso Will Smith (na verdade Tim Thomas), um engenheiro que subitamente se torna um agente do Departamento do Tesouro dos EUA, formado no prestigiadíssimo MIT, tem sua vida marcada por uma tragédia, cuja memória de tal fato o compele a acreditar que sua redenção reside num ato de sacrifício supremo em favor de outras Sete Vidas humanas.

Cada ato de entrega do personagem Ă© acompanhado de autoflagelo e seletividade, numa devoção, embora sincera, movida por uma angĂșstia culposa cujo quadro de profunda depressĂŁo o compele a interpretar sua existĂȘncia sob a Ășnica Ăłtica possĂ­vel: a eleição da morte como ato de expiação por sua negligĂȘncia.

A irreversibilidade do estado de Ben (Tim) Ă© relativizada pela presença frĂĄgil e ao mesmo tempo vibrante da bela Emily Posa (RosĂĄrio Dawson), portadora de uma cardiopatia degenerativa que se converte num sopro de esperança ao seu tormento. 


  A atração, de inĂ­cio provocada por um altruĂ­smo velado e abrasador, expĂ”e o fato de estarmos tĂŁo sujeitos a uma culpa devastadora quanto ao amor esperançoso.


Refletir sobre o aniquilamento da dor pela via da morte e a capacidade de se permitir ressignificå-la compreendem, a meu ver, a proposta sutil dessa belíssima obra, que aponta para o enfrentamento do caos sem hesitação, seja na opção pelo fatalismo mortal, ou na esperança que o amor nos propÔe.



Sete Vidas: para chorar e se insuflar de esperança!

Por MaurĂ­cio Alves.


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