Pular para o conteúdo principal

Ressurreição: Um Centurião e um Túmulo Vazio



 


O reino de Israel amargou a experiência de viver cativo em seu próprio solo, numa era em que o mais aguardado advento de sua história surgiu sem que os próprios judeus compreendessem seu real significado. A vinda de Cristo, determinou um corte na claudicante caminhada terrena da nação israelita, a qual se fez marcar pela ambivalência já que oscilava entre a disposição de fidelidade ao Senhor e o arrefecimento da fé. O componente da fé não foi exclusividade dos hebreus, mas igualmente dos chamados gentios (povos não descendentes da raiz habramica) e romanos, a estes, o filme Ressurreição nos apresenta uma narrativa comovente, à medida que nos faz refletir sobre a busca humana essencial da paz interior por meio da fé.

A dádiva suprema, encarnada na pessoa de Cristo, traduziu a expressão maior de liberdade aos hebreus, uma vez que sua promessa de vida abundante transcendia a condição fática do cativeiro. No entanto, seus contemporâneos, acossados pela opressão romana, cujas legiões impunham a implacabilidade do braço imperial, não discerniam que a liberdade essencial se produzia na alma, de modo que, se livrar do sequestro imposto por Roma era o anseio coletivo do povo, porém, o lar da consciência e emoções, dos elementos de natureza espiritual e psicológica (a alma) experimentava os grilhões que a invasão romana impunha. Como então conceber que a liberdade tomaria concreção num estado de exceção, cujas restrições se refletiam nos tributos cada vez mais injustos, na supressão da autodeterminação, nas influências comportamentais que relativizavam o conteúdo identitário da nação oprimida?

A resposta a essa questão não residia na diversidade de doutrinas das várias correntes político-religiosas existentes em solo hebreu, mas na simplicidade do Evangelho. Esta declaração não encontrou guarida no coração da maior parcela do povo, pois, as dores da vergonha e opressão lhes permitia conceber apenas um Messias mítico, dissociado do paradoxo presente na proposta de amar o inimigo, orar pelos perseguidores, entregar a capa ao que lhe pedira a túnica. O Messias dos judeus correspondia a um titã (semideus), figura produzida pelo surto humano de projeções megalômanas, para quem o inimigo representa nada além de um alvo a ser atingido pelo ódio, desprezo e dor. 

De que modo a fé prevalece quando a tormenta parece não ter fim? Quando as dores e o sufocamento que se impõem ao longo da travessia existencial permite apenas perceber o fardo opressor e perverso que decorre da ausência de liberdade, ao menos dois caminhos orientam a ação humana, quais sejam, seguir em direção à morte tendo o jugo esmagador da desesperança como companhia e assombro, ou se entregar ao surto compulsivo que não se submete à tragédia “inevitável”.

Manter a fidelidade aos princípios de fé àquela altura não encontra vínculo nas práticas litúrgicas, nos ritos cuja manutenção coopera apenas para o alcance de uma espécie de catarse ou auto justificação cujo conforto é artificial, posto não servir à metanoia paulina (conceito forjado pelo apóstolo S. Paulo), na qual a mente experimenta um estado de entendimento acerca de si e da existência à luz de Cristo. A infidelidade, portanto, diz respeito a algo mais profundo, e não à negligência ou inobservância de dogmas, ou seja, compreende a rejeição em renunciar à autossuficiência, ao discurso arrogante que anuncia que a nossa existência nos basta, negando a Porção Absoluta Encarnada no Unigênito da qual somos integralmente dependentes, significando afirmar que a fé não resiste ao vão exercício litúrgico, mas prevalece no despojamento de nosso eu.

Tais considerações defluem da compreensão de que no seio da figura antagônica (Roma) sinais de fé pura e simples brotam, às vezes, como oásis no deserto, para os quais não atentamos em razão de enxergarmos quase sempre sob lente unifocal, nos agarrando ao temor do que habita fora de nossa visão desfocada, à semelhança do profeta Jonas, cuja perplexidade diante da iminente conversão da Cidade de Nínive recusou, inicialmente, lidar com o choque da revelação Divina naquela Cidade Estado.

Em consonância, fidelidade e fé são temas propostos no filme Ressurreição, uma interessante adaptação da ocasião pós ressurreição de Cristo, uma espécie de “sequela de Paixão de Cristo”, conforme enunciou o diretor e escritor italiano Manuel de Taffé, cujo roteiro se orienta no sentido de demonstrar que o ser humano, a despeito da cultura que o moldou como indivíduo, deve perseguir as respostas às questões que lhe assaltam a vida, sobretudo quando ocupam a dimensão da fé. 

A obra consiste na chocante e assombrosa experiência de Paulo, centurião romano que, convocado por Pôncio Pilatos a retornar a Jerusalém com vistas a reprimir uma iminente insurreição dos judeus, supervisiona a crucificação de Jesus, e, em que pese ser testemunha ocular de sua morte, persegue a verdade acerca do fenômeno da ressurreição, busca que o fará redefinir os padrões existenciais herdados, e sobretudo enxergar a viabilidade de alcançar a paz que tanto almeja.
Resta reconhecer que esse filme, marcado pelo ressurgimento de Cristo, nos propõe, sob a janela de tal fenômeno, refletirmos sobre a ressurreição da fé e esperança que se impõem nos escombros de nossas angústias e anseios pessoais, condição para a qual todos são, sem exceção, convidados a experimentar.
  

Por Maurício Alves.


Trailer

https://www.youtube.com/watch?v=ys8NvE4ID9w


Data de lançamento 17 de março de 2016 (1h 42min)
Direção: Kevin Reynolds
Gêneros Ação, Drama, Aventura
Nacionalidade EUA

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Evangélicos e generalizações

        A generalização atribuída ao chamado campo religioso evangélico no Brasil, traduz um equívoco pontual e importante, à medida que sua feição difusa, diversa e em muitos aspectos caótica, oculta a expressão de dogmas - no interior de tal corrente - oriundos da ideologia neoliberal incrustados especialmente  nos modos de enxergar as desigualdades, as quais não resultariam - à luz da interpretação de suas lideranças mais expressivas midiaticamente - das condições de natureza histórica vincadamente marcadas pela prevalência de interesses da elite economicamente opressora, todavia, da passividade ou diligência dos crentes em face das "naturais" adversidades que desafiam a existência e, por consequência inescapável, a fé.     O maneira de discernir o tema da desigualdade por parte (incorro em deliberada generalização) dos evangélicos, importa no vínculo imediato que a inevitabilidade do sofrimento possui com o grau de credulidade nas promessas divinas, as quais, em que pes

Sonhos, significados, sentido

A frase O universo numa casca de Noz, cunhada pelo grande matemático e físico teórico Stephen Hawking, a qual intitula um de seus extraordinários livros, constitui indicativo de que o tamanho das coisas não abriga, necessariamente, relação de proporção com seus significados. A esse respeito, basta observarmos a natureza e as sutis apreensões que dela advêm, uma vez que, permitindo-se escutar com sensibilidade o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas ou mesmo o impacto de uma queda d’água em seu pouso sobre as rochas, conceberemos uma peça musical inaudível aos que não se permitem sonhar.   Sonhos possuem o condão de nos fazer enxergar em diminutos elementos, grandes significados, os quais correspondem ao sentido de nossa existência e nos permitem aceitar o quão graciosa e repleta de poesia é a vida, cuja evidência resta comprovada quando, por exemplo, dominados pela espontaneidade lançamos pequenas pedras em direção a um rio ao dele nos aproximarmos.   Tal contexto me

CULTURA E CIDADANIA: UM ELO NECESSÁRIO

     O caldo revolucionário fermentado na Bahia no início do século XIX, fora imantado pela irresignação ao cativeiro bem como pelo componente religioso especialmente dos negros islamizados que aqui aportavam, condição a produzir significativo receio do governo, uma vez que o Haiti demonstrara, pouco tempo antes, extraordinário exemplo emancipatório através de uma revolução cujos ecos indicavam a necessidade de precauções quanto à gestão da condição negra no país.      Evidentemente que as elites brasileiras em nada refletiam a mais remota disposição em considerar uma efetiva emancipação do povo negro escravizado, uma vez que a economia do império dependia de sua mão de obra, significando afirmar, que qualquer reflexão acerca da escravidão, estaria circunscrita aos interesses de uma elite cuja razão de fundo a orientar seus passos apenas incluía a manutenção do  status quo .      O conteúdo básico a balizar a hegemônica opinião acerca das sublevações negras no período retro indicado, c