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DECISÕES SOB O EFEITO MANADA


    Fui hoje ao mercado a fim de comprar algumas batatas e frutas, e, ao me encaminhar ao caixa, percebi que havia uma fila única, formada espontaneamente por pessoas que acreditavam, de modo equivocado, que o atendimento se daria sob tal modalidade, uma vez que em um dos acessos continham duas atendentes em lados opostos, porém, não atentaram para o fato de que, em ambas as direções que guiavam aos respectivos caixas, havia marcações no piso que indicavam a existência de filas distintas, condição por alguma razão ignorada por todos os que se agrupavam numa mesma linha.

    Me aproximei das marcações que indicavam a formação da fila em direção a um dos caixas prestes a esvaziar, momento em que fui abruptamente interpelado por um homem extremamente musculoso que gritou: "Não, amigão! É fila única!".

 O alertei calmamente se tratar de filas distintas bem como a iniciativa de formação do agrupamento a que deram origem era desnecessário, no entanto, propus aos demais atrás do indivíduo que reagiu ao meu ingresso na fila vazia que ocupassem posições à minha frente por reconhecer que estavam há tempo significativo aguardando.

  Convencido com relativa tranquilidade, o rapaz se limitou a manear a cabeça indicando alguma concórdia, ocasião em que um senhor, demonstrando um certo constrangimento, tomou lugar à minha frente, momento em que comecei a refletir sobre o quão ocupamos posições na vida de modo apenas reativo às impressões imediatas, seja por absoluta irreflexão, ou em decorrência da confortabilidade provocada pelo automatismo que um número expressivo de pessoas em determinada direção nos impõe.

  O chamado neuromarketing nomeia esse fenômeno "efeito manada", o qual possui, verdadeiramente, um enorme poder sobre muitas de nossas decisões, constituindo um gatilho mental basicamente expresso na renúncia à tomada de certas decisões, normalmente por receio de expor nossas limitações de modo a evitar censura pública, condição a revelar que tais ocasiões também cooperam para o fato de que a opção em seguir a maioria dá origem a modelos comportamentais hegemônicos baseados em automatismo e abdicação da autonomia.

  A experiência em comento não resultou em maiores implicações, mas, reforçou minha percepção quanto à necessidade de exercitar a serenidade especialmente em momentos em que se impõe demonstrar a contradição da maioria, sobretudo porque as pessoas, em regra, não estão dispostas a desistir de suas posições quando legitimadas pelo consenso coletivo, condição em que as antipatias, cóleras e toda sorte de indisposição se manifestam com algum nível de agressividade.

  Façamos com que as ocasiões em que o imperativo de expor as contradições de uma maioria não nos conduza à arrogância cega, porém, a uma experiência de pacificação, na qual a empatia, o equilíbrio e o comedimento encontrem lugar de habitação em nossa alma.

    A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira. (Provérbios 15:1).

Com a alma pacificada,
Maurício.

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