O comportamento humano é marcado por ações nas quais residem os traços de nossa subjetividade, sob a qual, as características pessoais que emprestam identidade às ações dos indivíduos estarão, em maior ou menor grau, presentes em sua conduta, condição apta a que sejamos avaliados e eventualmente responsabilizados na medida de nossa culpabilidade.
De outro lado, os eventos naturais, aqueles para cuja ocorrência não é possível atribuir responsabilidades, e aos quais o direito nomeia “força maior”, além de provocar caos em seu processo de devastação determina implicações mais amplas, à medida que em muitos casos afasta a responsabilidade de determinados atores sociais quanto aos seus deveres em relação àqueles indivíduos com os quais se relacionam contratualmente, por exemplo.
Sob tal escopo, as obrigações entre as pessoas além de inseridas no âmbito da ética, igualmente se inscrevem na esfera contratual, à medida que nossos compromissos em relação à empresa fornecedora de energia elétrica, escola, aluguéis, cartão de crédito, empréstimos bancários dentre outros, impõem uma condição obrigacional cogente, uma vez que decorrem de uma contratação e não ato de gratuidade prestacional.
Eis que o ano de 2020 – que parece não ter acabado – nos revelou, com enorme clareza, o adoecimento da alma humana além da patologia classificada Covid-19, cujas implicações desafiam a capacidade do capitalismo de manter intactos seus mais fundamentais preceitos, notadamente o receituário individualista que a corrente neoliberal na economia preconiza, haja vista a solidariedade e espírito cooperativo demonstrarem a necessidade de revisão daquele modelo, sobretudo em razão da baixa eficiência da resposta estatal à gravidade que ainda se impõe implacavelmente.
Na esteira de tal percepção, é imprescindível que a sociedade não ignore que a constituição federal nos informa que a República do Brasil está lastreada em princípios os quais devemos invocar em épocas tormentosas, condição para cujo enfoque impõe sublinhar, no domínio das relações contratuais, a dignidade humana, elemento fundante do estado democrático de direito e em torno da qual gravita todo o ordenamento jurídico pátrio.
Deste bordo, convém destacar que, em nome da dignidade humana, instituto matriz do direito pátrio, é imperioso relativizar a ideia de que o contrato, de modo absoluto, faz lei entre as partes, ou seja, que o mesmo reproduz, a despeito de fatores externos à vontade dos contratantes, a intocabilidade de suas cláusulas ou impossibilidade de sua dissolução fora das condições estabelecidas.
Ora, isto não é verdade!
Embora os contratos exponham sua natureza obrigacional e portanto evidenciem a necessidade de observância ao seu cumprimento pelos pactuantes, seu caráter cogente não é absoluto e nem está acima de preceitos fundamentais que derivam do fundamento denominado dignidade humana, do qual decorrem sub-princípios que dão operabilidade ao elemento contratual a partir da razoabilidade e proporcionalidade, elementos igualmente caros ao direito.
Nessa esteira, impende informar, que as pessoas que se encontram vinculadas a um contrato, especialmente em momento tão devastador e atípico decorrente do quadro pandêmico provocado pelo novo corona – vírus tem, a seu favor, na excepcionalidade de não poderem cumprir suas obrigações para com seus credores, a viabilidade de arguição de princípios e teorias sólidas para o intento de renegociação contratual, com vistas à alteração de condições desfavoráveis e sob as balizas de institutos solidamente edificados pelo ordenamento jurídico.
A título de exemplo, e em consideração ao momento atual, merece destaque a teoria da imprevisão que possui, como centralidade de sua concepção, a noção de que é perfeitamente justificável a resolução ou revisão de um contrato na ocorrência de situação superveniente e imprevisível, à medida que o desequilíbrio econômico a desigualar as partes atrai, numa relação de precedência lógica, a excessiva onerosidade a uma das partes pactuantes.
As razões jurídicas acima correspondem há uma das inúmeras a serem elencadas como possibilidade de revisão ou eventualmente resolução contratual tendo em vista o advento de um cenário imprevisto e que torne a relação contratual desigual a uma das partes pela onerosidade excessiva (Rebus Sic Stantibus), condição para cujo manejo é imprescindível a busca de um advogado de sua confiança, sobretudo quando tais circunstâncias determinam a necessidade de atuação técnica pela natureza do negócio jurídico.
Maurício C. Alves.
Advogado
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