A
centralidade do direito penal, a despeito da ideia difusa que alcança
aparentemente a opinião majoritária dos indivíduos, possui, na base de sua
concepção contemporânea, o princípio da intervenção mínima como
supedâneo à ideia de que, em razão do direito penal disciplinar a perda da
liberdade (ou seja: a prisão como pena por excelência), incide a exigência de que o mesmo se ocupe dos bens jurídicos destacadamente
mais relevantes, tais como liberdade, patrimônio, integridade física e sexual
por exemplo, condição atrelada ao reconhecimento de que seria pouco racional o
Estado tangenciar, por flagrante desproporção, bens jurídicos que se desigualam
ao seu arsenal.
Sob
tal perspectiva, são decorrentes do princípio da intervenção mínima a
subsidiariedade e a fragmentariedade, os quais indicam, com maior contundência,
o caráter de ultima ratio atribuído ao direito penal, condição a
sublinhar, por inferência inescapável, a intrínseca relação de tais elementos
com a ideia de intervenção mínima - em que pese eventual perplexidade advinda de
uma espontânea expectativa de que o selo do penalismo restaria encrustado na
integralidade do domínio jurídico.
O
que se pretende realçar nas linhas ora postas à análise do leitor deste artigo,
é a destacada projeção conferida ao princípio da intervenção mínima no campo do
direito penal, condição que desperta desde impressões relativas a um suposto
afrouxamento da punibilidade conforme pensamento vinculado às correntes de matriz
conservadora, bem como um imperativo, cujo pendor progressista identifica naquele
princípio a prevalência da perspectiva de um direito penal mínimo, corolário da
dignidade humana.
Ocorre que, a despeito do debate a
sublinhar o antagonismo relativo ao tema, o direito penal (ao menos do ponto de
vista formal) incorporou a subsidiariedade e a fragmentariedade a fim de imantar-se
de uma feição minimalista, significando afirmar que para tal dimensão jurídica
importarão os bens jurídicos os quais outras áreas do direito não possam, pelo
relevo que incorporam, discipliná-los material e processualmente, bem como
lidar, no domínio de sua atuação, com aqueles notadamente mais expressivos.
Em síntese, ao direito penal cumpre
orientar-se pela ideia de que sua atuação é subsidiária, ou seja, ocupar-se-á
de certos bens quando outros ramos da ciência jurídica não forem capazes de dar
adequado tratamento ao tema; por outro lado, ao direito penal cumpre
orientar-se pelo caráter fragmentário de que se tem revestido, tendo em vista
os bens jurídicos eleitos mais relevantes à existência humana, indicar-lhe a
exigência de disciplinamento, orientando-o ao manejo de seus dispositivos à
devida resposta estatal.
Nessa rota, distribuir justiça tem
sido um jargão amplamente usado na doutrina e jurisprudência pátrias, o qual
compreende a resposta jurisdicional às demandas dos indivíduos que batem as
portas do poder judiciário, porém, distribuição de justiça constitui frase a
acionar gatilhos na subjetividade da cidadania brasileira, que não são
inteiramente apreendidos pela perspectiva institucional, uma vez que a
injustiça campeia em solo pátrio à semelhança da virulência de patógenos a
enfestar vastas coletividades, condição em que o non liquet, ou seja, a
inaceitabilidade de inércia do judiciário consubstanciada no imperativo de que a
este poder da república cabe responder aos cidadãos por meio de suas decisões, se
manifeste implicitamente haja vista sentenças produzidas sem o balizamento da
razoabilidade e proporcionalidade.
Sob tal horizonte, convém atentar que o princípio acima mencionado (non liquet), ou seja, a não resposta estatal através do judiciário, não se manifesta apenas em demandas judiciais que aguardam conclusas para decisão há anos, mas, igualmente, em fundamentações que, em razão de abusivas exigências probatórias e excessivo apego à letra da lei, se convertem não apenas em ausência de resposta estatal, mas, em elemento de opressão a desencadear um desestímulo à procura do poder judiciário como terceiro desinteressado conforme aprende-se em períodos iniciais do curso de direito.
Na esteira de tais apreensões, e em
que pese remota a relação com os princípios da subsidiariedade e
fragmentariedade, impende considerar que a não resposta estatal, concebida na
amplitude que abarca desde a resposta insuficiente à ausência de qualquer
manifestação decisória resulta, à cidadania brasileira, em descredibiliade das
instituições, condição a se observar, igualmente, se os princípios retro
destacados (subsidiariedade e fragmentariedade) não fossem minimamente
observados no trato legislativo da matéria penal, ou seja, na criação das leis bem como na aplicação das mesmas pela magistratura.
Por inferência, convém observar, que a
ideia de intervenção penal mínima, consubstanciada em seu lógico desdobramento
subsidiário e fragmentário, revela que se o mesmo não se ocupasse dos bens
jurídicos que mais importam à sociedade, bem como não abarcasse aqueles
resultantes da inaptidão de outros ramos, estaria essa mesma sociedade, de certo modo,
diante da ausência de resposta do Estado às suas demandas, haja vista a desproporcionalidade e
ausência de razoabilidade presentes nas decisões do judiciário, e,
semelhantemente, no trabalho do legislativo ao tipificar as condutas, condição na
qual a injustiça seria praticamente a regra.
No seio da sociedade repercute um
debate acerca do qual a comunidade jurídica infelizmente parece não demonstrar
habilidade para, de modo claro, informá-la adequadamente, tendo em vista a larga
linha que divisa o universo jurídico/academicista das pessoas cuja existência
está fora do espectro do direito, permitindo que tal mediação se realize a
partir de interlocutores passionais e descomprometidos com o aprofundamento de
uma discussão relativa à mais severa dimensão jurídica, a qual, acaba por permear a vida dos
brasileiros sob o filtro de programas “jornalísticos” de apelo popular, muitos
dos quais reforçadores de estereótipos, condição para a qual qualquer tentativa
de empreender lucidez e clareza quanto ao tema, soará como conivência
delituosa infelizmente.
Maurício C. Alves.
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