Pular para o conteúdo principal



  
Presenciei uma moça correndo na tentativa de alcançar uma das inúmeras portas do metrô há três semanas aproximadamente, ocasião em que ficou presa, oprimida pelos dois componentes que, em conjunto, determinam, sob o comando de um condutor à testa do gigantesco equipamento, a entrada e saída dos passageiros.

Seu constrangimento e desespero eram visíveis, e em que pese a quase inócua tentativa de se desvencilhar daquela opressão devastadora, uma vez que a cada segundo a sensação de impotência se impunha esmagadoramente, sua perseverança se expressava à semelhança de um náufrago que se socorre no último bote salva-vidas.
   Tempestivamente, eu e um rapaz mais próximo a ela nos aproximamos em seu auxílio, porém, nossa disposição, em princípio, não parecia suficiente a resgatá-la. Porém seu esforço, somado talvez à nossa diligência em forçar a porta à direção oposta, a fez livrar-se daquela aparente armadilha e ocupar o interior do vagão, no entanto, sua mochila ficou contida pela força descomunal da porta, mas só por alguns segundos, tendo em vista empreendermos o mesmo e renovado esforço para agora salvar aquele objeto.
  Tal episódio me levou a refletir acerca dos erros de cálculo que cometemos na tentativa de ocupar, de modo intempestivo, o trem de nossa história, à medida que o fazemos com excesso de bagagem que nos põe em embaraço e dificuldades desnecessárias.
   Recordo-me que a moça, cuja experiência opressiva lhe infligiu o sentimento e a condição fática da impotência por alguns segundos, ao alcançar o interior do trem sacou o aparelho celular e, num ato quase defensivo, parecia simular uma comunicação - em que pese sua fisionomia expressar um misto de alívio e forjada impassibilidade.
   Aquela experiência, sob o testemunho de diversas pessoas de cujos assentos não se mexeram a favor da moça em apuros, mostrou-me que nossos passos nem sempre alcançam, tempestiva ou perfeitamente, os ambientes aos quais nos dirigimos; que a soma de nossos esforços às vezes não é suficiente para nos livrarmos dos apertos, razão por que a gratidão pelos que nos socorrem deve prevalecer irrenunciavelmente.
 Por fim, que nossas bagagens, o quanto possível, sejam equivalentes à nossa capacidade de suportá-las, a fim de que não nos esgotem em nossa travessia existencial.


Comentários

  1. Uma visão exelente.
    Que venhamos nos. distância de tudo quanto nos trás peso execivo e tornen-se pra nos ancora.
    Feliz ano novo!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Evangélicos e generalizações

        A generalização atribuída ao chamado campo religioso evangélico no Brasil, traduz um equívoco pontual e importante, à medida que sua feição difusa, diversa e em muitos aspectos caótica, oculta a expressão de dogmas - no interior de tal corrente - oriundos da ideologia neoliberal incrustados especialmente  nos modos de enxergar as desigualdades, as quais não resultariam - à luz da interpretação de suas lideranças mais expressivas midiaticamente - das condições de natureza histórica vincadamente marcadas pela prevalência de interesses da elite economicamente opressora, todavia, da passividade ou diligência dos crentes em face das "naturais" adversidades que desafiam a existência e, por consequência inescapável, a fé.     O maneira de discernir o tema da desigualdade por parte (incorro em deliberada generalização) dos evangélicos, importa no vínculo imediato que a inevitabilidade do sofrimento possui com o grau de credulidade nas promessas divinas, as quais, em que pes

Sonhos, significados, sentido

A frase O universo numa casca de Noz, cunhada pelo grande matemático e físico teórico Stephen Hawking, a qual intitula um de seus extraordinários livros, constitui indicativo de que o tamanho das coisas não abriga, necessariamente, relação de proporção com seus significados. A esse respeito, basta observarmos a natureza e as sutis apreensões que dela advêm, uma vez que, permitindo-se escutar com sensibilidade o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas ou mesmo o impacto de uma queda d’água em seu pouso sobre as rochas, conceberemos uma peça musical inaudível aos que não se permitem sonhar.   Sonhos possuem o condão de nos fazer enxergar em diminutos elementos, grandes significados, os quais correspondem ao sentido de nossa existência e nos permitem aceitar o quão graciosa e repleta de poesia é a vida, cuja evidência resta comprovada quando, por exemplo, dominados pela espontaneidade lançamos pequenas pedras em direção a um rio ao dele nos aproximarmos.   Tal contexto me

CULTURA E CIDADANIA: UM ELO NECESSÁRIO

     O caldo revolucionário fermentado na Bahia no início do século XIX, fora imantado pela irresignação ao cativeiro bem como pelo componente religioso especialmente dos negros islamizados que aqui aportavam, condição a produzir significativo receio do governo, uma vez que o Haiti demonstrara, pouco tempo antes, extraordinário exemplo emancipatório através de uma revolução cujos ecos indicavam a necessidade de precauções quanto à gestão da condição negra no país.      Evidentemente que as elites brasileiras em nada refletiam a mais remota disposição em considerar uma efetiva emancipação do povo negro escravizado, uma vez que a economia do império dependia de sua mão de obra, significando afirmar, que qualquer reflexão acerca da escravidão, estaria circunscrita aos interesses de uma elite cuja razão de fundo a orientar seus passos apenas incluía a manutenção do  status quo .      O conteúdo básico a balizar a hegemônica opinião acerca das sublevações negras no período retro indicado, c