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"SÓ VOLTE QUANDO DEUS MORRER"


"Por trás do céu" compreende um filme cuja narrativa expõe, em medida substantiva, a condição humana com escopo na inocência e dor visceral, dimensões que, simultaneamente, habitam o universo interior de Aparecida, personagem interpretada por Natália Dill, a qual nos apresenta uma profunda ferida na alma, ao lado da qual reside uma pureza rara a alimentar a esperança de transpor as fronteiras de sua morada e desfrutar a experiência da vida citadina.

Ao lado de Edvaldo, seu marido, em cujo coração repousa a amargura decorrente de uma violência que a mesma sofrera, a doce e sonhadora jovem tece, com fértil imaginação, um cenário alternativo marcado por experiências oníricas, nas quais um cano depurador de ideias negativas e o intento em elaborar um foguete para empreender sua viagem são alguns dos componentes a marcar a alma quase pueril daquela mulher.

Sublimar a dor por meio do sonho que oxigena a alma e potencializa os canais criativos geradores de alguma alegria é o exercício permanente da moça, condição ao lado da qual habita a revolta dirigida ao Divino, uma vez que, sob o esmagamento da lacuna existencial, questionar Deus se impõe como necessidade, o qual, à mesma, se ocultaria incompreensivelmente nos véus celestes.

A personagem, acalentando o irrefreável sonho de conhecer a cidade, desenvolve um modo único de conceber a existência, em cujo olhar prevalece, sob a fuga da realidade que em sua crueza se mostra injusta, a opção pelo imaginário ao mesmo tempo em que ostenta, a partir da experiência da dor, a "rebeldia" diante dAquele cuja onipresença não lhe parece sorrir.

"Só volte quando Deus morrer" é o desabafo da jovem que, quase convulsivamente retruca seu amigo Micuim, o qual, aturdido pela aparente iminência da morte de Edvaldo apela aos céus, ato que provoca um dilúvio de cólera blasfemo e que mais se aproxima do desesperado desejo de que a dita região celeste revele a existência de seu ocupante.

Sob uma fotografia que sujere intimidade entre céu e terra, posto a surpreendente sensação de diálogo entre os mesmos a nos causar, a pelícila expõe, sob o espectro da aridez, a presença orgânica de vida que emana fundamentalmente da condição humana, na qual a dor, o sonho, a beleza de ser e o anseio de liberdade para explorar a existência marca, indelevelmente, o corpo narrativo.

Minha dica de cinema pra você!

03.01.2020, em algum lugar da Via Láctea,

Maurício.

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