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Monoteísmo ético e suas implicações na concepção ocidental de educação

    

As assimetrias na história do povo hebreu ao lado de suas idiossincrasias, compreendem interessante objeto de análise com vistas a uma reflexão acerca dos elementos de influência sobre o ocidente, e, em última instância, à realidade brasileira, no que toca ser aquele povo referência ao conceito de monoteísmo, de modo a abarcar a concepção e conteúdo ocidental da fé (ao menos para parte significativa do continente).

 Não obstante, o componente ético que matiza a compreensão do exercício da fé pelos hebreus resta incorporado, indissociavelmente, à dimensão ontológica, uma vez que a unidade presente no entendimento geral do que seja seu significado existencial, está imbricada à instância última do ser, ou seja, ao campo dos signos de onde se extraem as complexidades que definem essa coletividade.

Sob tal perspectiva, impõe-se a inescapável consideração de que a comunidade judaica manifesta, além da concepção monoteísta, expressa na convicção em um único Deus (auto)existente, que atua na história e especialmente na trajetória de seu povo, a expressão moral como sinal de superioridade consagrada pelo ministério dos alcunhados profetas sociais da antiguidade, em que pese não possuir ineditismo haja vista outros povos - no bojo da experiência religiosa - restarem igualmente marcados pelo componente profético.  Nessa rota, convém salientar que manifestações de tal natureza existiam na realidade social de diversas culturas antigas, à semelhança dos egípcios, os quais, na figura do rei Amenophis IV, por volta de 1375 a.C., conforme nos indica Jaime Pinsk em interessante ensaio intitulado “Os profetas sociais e o Deus da cidadania” (Pinsk; 2008), adotara o monoteísmo como paradigma de culto (Aton) em detrimento de histórica tradição politeísta daquela civilização, condição sobre a qual especula-se existir vínculo com as tradições judaicas personificadas em Moisés (Pinsk & Bassanezi; História da Cidadania; 2008).

 A menção feita aos judeus se mostra oportuna uma vez que a relação educacional no bojo do cultivo da fé perfaz condição inescapável à identidade nacional - em que pese a incorporação do princípio da laicidade no bojo de inúmeras constituições -, ao menos do ponto de vista geral, significando afirmar que tal matriz cultural representa uma espécie de farol ao mundo cristão, e, em que pese diferenças de natureza doutrinária apresentar um cisma substancial, mantém interseccionadas a convicção monoteísta e a força do preceito moral como balizas inegociáveis.

 Transpondo essa realidade ao domínio da cultura brasileira, mais especificamente ao ambiente cristão-protestante, veremos como expressão de profundo arraigamento ao modelo judaico a igreja evangélica brasileira, cuja apreço à “terra santa”, é explicado pelo compartilhamento dos elementos moral e monoteísta. Ou seja, a razão de fundo a caracterizar tal vínculo afetivo com o povo israelita cultivado pelos evangélicos, se ancora na ideia de Israel perfazer o povo eleito por Deus, o qual consubstancia a expressão simbólica das escrituras de modo a praticamente aquele segmento, no Brasil, sacralizar a longínqua terra situada na região da palestina.

  De acordo com o Instituto de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil conta (nominalmente) com mais de 42.000.000 pessoas vinculadas à igreja evangélica; no bojo desse segmento, em que pese incrustar-se diferentes matizes, é forçoso reconhecer que o mesmo apresenta alta densidade orgânica, razão pela qual, partilham uma sólida base doutrinaria e um não menos robusto sentimento de pertencimento a um lugar comum de culto, razão pela qual, a despeito de pontuais diferenças dogmáticas, o componente moral constitui dado marcante.

 Se os hebreus do passado e hoje judeus são a expressão eloquente do monoteísmo moral, a igreja evangélica, de modo geral, segue tais passos, condição que, somada à ideia básica de zelo expresso na prática da oração, encontro comunitário para cultos e leitura bíblica lhes confere densidade e irredutibilidade no discurso moralista, igualmente os projeta como ambiente à exploração político-ideológica inescapavelmente.

 Ademais, consideremos o fato do quão cooptada por políticos tem se sido essa expressão religiosa em razão da imediata associação com valores de natureza moral, os quais sempre foram invocados pela corrente de direita, cuja feição, marcada pelo caráter proselitista, nos últimos anos tem-se testemunhado a exacerbação do apelo ao modelo de família tradicional e ênfase em verdadeiras cruzadas apologéticas à heteronormatividade.

 O robusto arsenal ideológico utilizado tem encontrado reflexo e expressão no poder legislativo com amplo alcance na educação brasileira, sobretudo no que concerne a iniciativas por meio de projetos de lei com flagrante feição moral e manifesto caráter retrógrado, condição a demonstrar que o debate sobre educação no país tem sido marcado, em grande medida, pelo reducionismo ante a tentativa de imposição de concepções que aprofundam o risco à capacidade do Brasil responder às demandas educacionais de maneira contemporaneamente adequada, conforme depreende-se do Projeto de Lei denominado Escola sem Partido, de feição claramente alienante, cujos traços de vigilância e controle, alvejam a comunidade docente com conteúdo marcadamente repressor conforme exposição do tópico denominado Escola sem partido.

 As observações retro destacadas, oportunizam menção a Le Bon, importante pensador francês do século XX, cuja bibliografia, a despeito da pluralidade de domínios do conhecimento a que se propusera estudar, contempla especialmente a psicologia, no bojo da qual, destacada obra impõe especial atenção, qual seja, A psicologia das multidões, na qual o mesmo demonstra, após apurada pesquisa, os elementos centrais para criação da chamada multidão psicológica, os quais, seguramente, nos auxiliam à análise do processo de cooptação e consequente adesão de significativa parcela da igreja evangélica brasileira a pautas de cunho moralizante.

 Os processos restam assim classificados pelo autor:

I)                anonimato;

II)              contágio e

III)           sugestionabilidade.

   Segundo Le Bon, o sentimento de invencibilidade e irresponsabilidade constituem decorrência direta do anonimato, condição que coopera à prevalência emocional, instintual; na qual prevalece a ausência de autocontrole. Uma vez considerada em cotejo com o protagonismo das mídias sociais como mediadoras das relações sociais, é possível verificar, no fato de as relações virtuais proporcionarem a convicção de inalcançabilidade pelo anonimato, momentos de extrapolação nas manifestações públicas pelo engajamento virtual.

    Em relação simétrica, o indivíduo se deixa apoderar de tal modo pela convicção ideológica, que o contágio (hodiernamente assemelhado ao processo viral nas redes sociais) lhes impulsiona a condutas pessoais na multidão, de modo a levá-los à renúncia do “interesse pessoal” em favor das intenções coletivas.

    A sugestionabilidade é um fator igualmente importante, haja vista revelar-se mecanismo indutor ao contágio; notadamente pelo aglutinamento em torno de “uma mente singular”, consubstanciada nas pulsões vocalizadas no interior das multidões e que propiciam, pelo contágio, que o inconsciente assuma o leme comportamental dos indivíduos, condição pela qual a homogeneidade e maleabilidade se afirmam sobretudo nos mais sugestionáveis (LE BON, Psicologia das multidões, 2022).

    Os processos acima indicados amparam, em boa medida, a compreensão geral acerca de como a cooptação das massas se opera, cuja aplicabilidade aos elementos da presente análise, notadamente ao engajamento do segmento protestante à pauta moralizante encampada por entes políticos que cooperou para alçar o atual presidente da república ao palácio do planalto, ajuda igualmente na compreensão de como tais massas lidam com as contradições do discurso da atual corrente política denominada extrema direita.

Referências

          Pinsky & Bassanezi, Jaime/Carla. História e Cidadania. 4º. ed. São Paulo: Contexto,           2008.

           LE BON, GUSTAVE. A psicologia das multidões. 1ª ed., Lebooks. Rio de                           Janeiro,             2020.


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