A relação das pessoas com os objetos parece basear-se na ideia de incompletude, impondo aos indivíduos a aquisição de novos elementos a revestir os já existentes, bem como acrescentar à sua extensa lista, outras tantas invenções a servir ao vasto uso individual e coletivo. Exemplos saltam aos borbotões, tais como cobrir uma vidraça com película, forrar a mesa em que se consome as refeições com uma bela toalha, bem como, no que respeita à adequação ao padrão estético vigente, embelezar-se com toda sorte de adereços, roupas sem esquecer os procedimentos cirúrgicos, alguns consideravelmente radicais, condição a exigir que questionemos acerca da real e oculta motivação a adesão desenfreada de tal comportamento, o qual confere primazia ao supérfluo em detrimento do essencial.
Não obstante a constatação de que os objetos criados a um determinado fim realizam – às vezes em grau substancialmente superior às expectativas - as tarefas às quais foram destinados, cada vez mais as implacáveis exigências (pós) modernas determinam nossa submissão à ideia de que há sempre a imprescindibilidade de um ornamento, um objeto qualquer que comporá uma lacuna, seja uma estatueta a fazer alusão a algo de que não se tem a menor ideia, ou um tapete, cujo valor e relevância não excedem à utilidade de ser pisado.
A noção de incompletude alcança a totalidade da vida, manifesta, de modo intenso, no domínio do corpo, esta dimensão em que exercemos (ou deveríamos exercer) nossa individualidade tão renunciada em função dos modismos impostos como referência à identificação, tendo em vista que individualizar-se só é permitido quando se adere ao comportamento de um grupo, o qual se manifesta a partir do que se põe sobre o corpo bem como ao que se adota como componente comportamental, razão por que não pertencemos a nós mesmos, mas, ao coletivo sob o pretexto da individualidade.
Se aceitarmos o postulado de que os fatores culturais, vinculados às dimensões política, social e econômica determinam o revestimento de todas as coisas, inclusive do ser humano, concluiremos que, inobstante a inutilidade da maioria de tais complementos, os mesmos se manifestam igualmente sobre os elementos menos tangíveis e que afetam profundamente nossas vidas, tais como a excessiva ampliação das formas de que se revestem nossos códigos jurídicos e procedimentos judiciais, por exemplo, aos quais, a exigência da simplicidade sucumbe ante a valorização da forma em detrimento do conteúdo.
Sob este enfoque, merece destaque a indignação de um professor que, através de uma rede social, veiculou decisão do Superior Tribunal de Justiça, denominado Tribunal da cidadania, o qual indeferiu um recurso de agravo sob a alegação de que a jurisprudência dominante do Pretório era uníssona em negar seu provimento na hipótese de o jurisdicionado - embora gozando do deferimento do benefício da gratuidade da justiça no mesmo processo em momento anterior - não haver reiterado o pedido na interposição do instrumento recursal.
Sob este enfoque, merece destaque a indignação de um professor que, através de uma rede social, veiculou decisão do Superior Tribunal de Justiça, denominado Tribunal da cidadania, o qual indeferiu um recurso de agravo sob a alegação de que a jurisprudência dominante do Pretório era uníssona em negar seu provimento na hipótese de o jurisdicionado - embora gozando do deferimento do benefício da gratuidade da justiça no mesmo processo em momento anterior - não haver reiterado o pedido na interposição do instrumento recursal.
Ora, tal decisão merece repúdio, tendo em vista que agride um dos mais basilares direitos
constitucionalmente consagrados, qual seja o acesso à justiça, cuja negação, nesse caso, serve de exemplo para a constatação de que, acrescentar ou revestir procedimentos judiciais de exigências excessivas contraria o bom senso e descredibiliza as instituições, haja vista a lavra do operador do direito converter-se em prática ficcional ou mera gestão
de números que designam os autos das ações processuais.
constitucionalmente consagrados, qual seja o acesso à justiça, cuja negação, nesse caso, serve de exemplo para a constatação de que, acrescentar ou revestir procedimentos judiciais de exigências excessivas contraria o bom senso e descredibiliza as instituições, haja vista a lavra do operador do direito converter-se em prática ficcional ou mera gestão
de números que designam os autos das ações processuais.
Em consonância com as observações acima, tem-se que vivemos um momento inegavelmente delicado no que respeita a dita sensação ou ideia de incompletude a marcar o comportamento humano, especialmente na estética, esfera marcada pela patológica obsessão das pessoas em submeter-se a procedimentos agressivos a fim de se colocar em acordo com as exigências impostas pelos modismos de ocasião, bem como na área da saúde, haja vista a adesão compulsiva aos antidepressivos e calmantes, condição que reflete uma espécie de consenso coletivo a demonstrar que as dificuldades humanas devem ser enfrentadas da maneira mais indolor possível, tendo em vista que todos nós devemos nos manter irremediável e definitivamente doentes.
Infere-se de tais considerações a percepção de que o pensamento hegemônico a exigir que a vida se revista de algum elemento, seja de natureza estética ou médica, propõe que renunciemos à essência existencial, a qual se mostra insuficiente numa sociedade que se condicionou aos acréscimos, aos ritos, aos revestimentos, os quais podem se manifestar nas dimensões mais imediatas tais como roupas, ornamentos diversos sobre bens móveis e imóveis, em ritos aos quais atribuímos grande valor, pois a forma passou a constituir condição fundamental à validação dos atos humanos e afirmação de um status perseguido, expressa na excessiva sofisticação dos ritos judiciais, em procedimentos cirúrgicos a redefinir ou corrigir supostas imperfeições atribuídas ao fator genético.
Ao lado dessa noção, tem-se que a complexidade que se impõe à existência determina, ao corpo social, importantes desajustes, aos quais, antídotos igualmente complexos tais como
cirurgias, tratamentos e ritos inúmeros se desdobram em infindáveis exigências, conduzindo-nos a uma vã e eterna corrida rumo ao nada, cuja assertiva a melhor definir este estado adoecido em que a humanidade mergulhou corresponde a reconhecer, conforme o apóstolo São Paulo, que “um pouco de fermento faz levedar toda massa”.
Há um interessante filme intitulado Amor Por Contrato, que nos informa o quão vulnerável está a sociedade em relação ao agressivo investimento em marketing oculto, modalidade bastante utilizada pelas empresas nos EUA, e que consiste em provocar as pessoas a adquirir produtos a partir da cobiça e vaidade que se manifestam quando alguns indivíduos (em verdade vendedores), integrados a um determinado meio social e camuflados sob falsa identidade, ostentam suntuosidade e sofisticação com o único propósito de realizar vendas.
O roteiro é bastante interessante pois revela a vaidade em seu mais puro e patológico modelo, qual seja, o concorrencial, uma vez que a "necessidade" de aquisição de bens materiais é fruto de uma violência estratégica e simbolicamente orquestrada, capaz de manifestar e dominar a alma humana de um vazio tão devastador, que o ato de compra é reduzido a um espetáculo grotesco de nivelamento social.
A essência, à luz das condições acima, é definida como algo incompleto, cuja relevância se mostra relativa em razão da necessidade de se revestir e acrescentar; num exercício fetichista com os objetos, muitos dos quais merecem ser estimados, não exatamente pelo valor econômico que lhes conferimos, mas em razão da beleza e funcionalidade a que se destinam; e as implicações em relação a este olhar sobre os elementos serão deveras positivas, não por extinguir a sensação de incompletude a marcar a existência humana, mas por fazer desta algo menos penoso a nossas vidas, pois a criação e aquisição das coisas a partir desse olhar, se realizará não para que sirvamos ao prazer artificial e vicioso, mas para que aquelas nos sirvam na medida de nossas reais necessidades.
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