Folheando uma enciclopédia de
cultura bíblica, a figura de homens ao redor de um braseiro conversando calma e
afetuosamente me chamou atenção em particular, pois, para além de reproduzir
uma singela cena sobre a convivência social da comunidade judaica na
antiguidade, a imagem me despertou à reflexão sobre a importância do singelo
encontro humano como fator decisivo à qualidade das relações, sobretudo pelo atual e acentuado distanciamento a definir
nossas interações.
Parece haver um consenso geral
de que nossos encontros devem realizar-se à distância, e a internet, por meio
de um complexo aparato, mostrou-se o mecanismo perfeito para o cumprimento de
tal fenômeno, conquanto o discurso prevalente consista na ideia de que a função
da rede compreenda exatamente o contrário, qual seja a eliminação das
fronteiras geográficas.
A opção pela comunicação virtual
em detrimento do calor manifesto no encontro físico contrasta com a imagem
milenar de pessoas a que me referi inicialmente, a qual constitui a maneira historicamente
definida para a construção dos laços de amizade, categoria relacional
profundamente relativizada pelo contato nas webcams e aplicativos diversos,
possibilidade ampliada aos processos negociais cuja celeridade é tão cara às
empresas, alcançando inclusive em procedimentos de cunho jurídico, realidade
presente no processo penal brasileiro, haja vista previsão quanto ao depoimento
de réus e colheita de prova testemunhal por vídeo conferência.
São inegáveis os aspectos
positivos que a realidade virtual nos propõe, especialmente no que diz respeito
à ampliação dos contatos, os quais, devidamente filtrados, podem
acrescentar-nos conteúdos propícios à edificação pessoal. Contudo, tal
perspectiva relacional ao invés de realizar-se de modo complementar,
converteu-se em regra, diluindo, em grande medida, a intensidade que a
comunicação presencial nos confere e, por conseguinte, a qualidade dos
encontros.
Outro aspecto interessante a contrastar
com a simplicidade do encontro em ambientes físicos consiste no fato de a
ambiência virtual resultar de um trabalho altamente complexo, cuja manutenção
demanda tempo e grande esforço para criação de novas ferramentas que garantam o
acesso dos internautas, sobretudo nas redes sociais, espaço promotor de
amizades, denominação cuja relatividade se mostra flagrante haja vista a
infinidade de maneiras a se manipular a imagem, consagrando, muitas vezes, a
existência apenas de um perfil em detrimento do ser humano.
Em contraposição ao modelo
relacional acima esboçado, ainda é tocante a realidade dos encontros na
dimensão presencial, tal qual a figura de amigos ao redor de um braseiro
(recipiente onde brasas eram depositadas para aquecer aos que em redor dele se
reuniam), cuja simbologia aponta para a simplicidade como condição de aquecer
os corações conforme o tempero e equilíbrio proposto pelas brasas nele
contidas, uma vez que estas propiciavam ocasião para que o calor se convertesse
em elemento de aproximação, circunstância em que a noção de pertencimento a um
grupo se configura a partir da palavra, da proximidade e intensidades do
convívio.
Inegavelmente,
uma foto estampada na tela de aparelhos celulares não possui o condão de
adensar relacionamentos, significando afirmar que a qualidade dos encontros,
sobretudo os virtuais, reside na disposição dos indivíduos para o
compartilhamento genuíno de interesses, condição que exige reconhecer, à
semelhança da convergência presencial, que as plataformas virtuais são capazes
apenas de viabilizar as condições para a conexão mediada tecnologicamente, não
provocar a manifestação de um ato relacional baseado num desejo de troca
sincero.
Depreende-se
de tais considerações, que uma possível implicação na atual primazia dada ao
espaço virtual como campo às relações humanas é a perda da qualidade do
diálogo, pois, conferir à internet prioridade ao exercício de nossa
sociabilidade, nos compele a considerar que talvez o trabalho de profissionais
de TI figure hoje como o grande amparo aos que elegeram os aplicativos e
especialmente as redes sociais como o melhor pretexto para se manterem
distantes o quanto possível dos outros.
Por
oportuno, convém lembrar o filme A rede Social, alusão ao facebook, a super
plataforma fundada por um jovem que, de acordo com o perfil proposto pela
narrativa, mantinha uma relativa distância das pessoas, característica
curiosamente apresentada na cena inicial em que o mesmo caminha rumo ao campus
universitário, onde, de modo ilustrativo, percebe-se alguém que, na solidão,
forja uma maneira de supri-la sob a mediação da tecnologia sem ao mesmo tempo
abrir mão de estar só, à medida que segue cruzando quarteirões numa
metáfora que sugere uma conexão em rede.
A
instantaneidade na conexão entre as pessoas é característica e propósito das
chamadas redes sociais, porém, as consequências de tal condição se por um lado
compreendem uma impressionante rapidez no processo de descoberta dos
indivíduos, é inegável que a distância geográfica parcialmente aniquilada,
impõe aos internautas valer-se de recursos outros que proporcionem - mesmo que
artificialmente -, a sensação da fisicalidade dos encontros à semelhança do
compartilhamento de vídeo, áudio, fotos...
A engenharia
computacional pôde realizar incontáveis feitos no campo virtual, exceto
reproduzir a realidade simples do encontro ao redor de um braseiro em praça
pública, experiência capaz de consolidar amizades entre pessoas que possuem
cheiro, rugas, beleza e cicatrizes, não significando afirmar que a interconexão
em rede deva ser diabolizada em face do paradoxo distância/proximidade, e sim
repensada a preponderância de tal ambiente de interlocução nas relações
humanas.
Por um
ambiente virtual com menos "perfil" e mais seres humanos.
Maurício Alves.
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