Este texto não contém spoiler
O segredo dos seus olhos, um
thriller dirigido por Juan José Campanella e baseado no livro
La Pregunta de sus Ojos, de Eduardo Sacheri, capaz de deslocar o mais
impassível ser humano da zona confortável que a ausência de empatia possa lhe fornecer,
propõe refletirmos sobre as consequências psicológicas causadas por um ato de
brutal violência, o qual marcará, de modo especial e permanente, a vida de dois
personagens, e os limites para a obsessiva busca de correção das falhas do
poder judiciário.
Minha
atenção estará dedicada quase integralmente à figura de Espósito, ex servidor
da justiça penal argentina, marcado pela memória de um brutal assassinato a partir
do qual sua vida, bem como a de outro indivíduo, se vinculará atavicamente ao cárcere
que tal lembrança constitui, cujas implicações apontam para a percepção do quão
devastadora pode ser a obstinada dedicação à busca por justiça.
A
evolução da consciência humana diluiu, em boa medida, a naturalização da
barbárie no seio das sociedades, embora seja forçoso reconhecer que as
violências que os humanos ainda operam sobre seus iguais denunciam o lado
sombrio de nossa condição, o qual, por mais tentativas que se realizem no
sentido de contê-lo, os impulsos grotescos de brutalidade, seja por razões que
a ciência classificou como patológicos ou justificados por um imperativo moral
socialmente referendado, são uma sombra a perseguir os atos de nossa espécie.
O
roteiro sob exame nos fornece um cenário adequado para pensarmos as implicações
sobre a alma humana decorrentes da violência, posto a sofisticação dos aparatos
institucionais do Estado, expressa na elaboração de mecanismos de controle
social tais como o direito e a moral se mostrarem incapazes, ao lado da
religião, de eliminar as pulsões de agressividade que habitam nossos instintos,
em que pese a influência daqueles elementos sobre os modelos comportamentais
vigentes.
Cumpre
destacar que a perseverança do personagem acima indicado bem como do cônjuge da
vítima para encontrar um criminoso, é atravessada por uma dolorosa frustração e
sensação de abandono do Estado, uma vez que se deparam com um sistema de
justiça pouco comprometido em realizar a pacificação social, consubstanciada no
cumprimento de seu papel institucional de persecução criminal efetivo, finalidade
conspurcada pelo vício da corrupção que domina os agentes públicos, condição
que coopera ao confinamento psicológico da vida de ambos.
Eis
o pomo de convergência na trajetória existencial desses dois indivíduos: Espósito,
após a aposentadoria e decidido a escrever um livro sobre um caso cujo
arquivamento arbitrário o fez desenvolver especial empatia pelo outro, se
afasta de um grande amor, cujo eixo de sua existência, à semelhança de Morales, o jovem viúvo, estará reduzido a um crime não solucionado.
A
motivação de ambos em busca da justiça sonegada pelas instituições judiciárias
estará centrada no fenômeno da ausência. Para Morales, a vida abreviada da
jovem e linda esposa provocará uma indestrutível obsessão dirigida à prisão do
assassino; em Espósito, o sentimento de justiça compartilhado e, sobretudo, a
privação de um amor que devasta sua alma constituem o gatilho de tal obsessão.
Obsessão,
justiça, ausência, amor, violência e uma dor dilacerante constituem os
ingredientes para o enriquecimento dessa narrativa vencedora do Oscar de melhor
filme estrangeiro, o qual, particularmente não se confina em categorias
designadas pelas academias de cinema, e sim, ao meu ver, ocupa o lugar dos
maiores filmes de todos os tempos, à medida que expõe a dor humana relacionada
aos atos de violência que se manifestam não apenas de modo concreto a exemplo
de um assassinato, mas, igualmente, em sua feição simbólica e
institucionalmente arraigada.
P.S.
Confesso que não resisti em adiantar-lhes que o desfecho da obra é, sem dúvida,
um dos mais extraordinariamente surpreendentes já concebidos!
06
de setembro,
Por
Maurício Alves.
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