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TOXIDADE VIRTUAL E A ORDEM DEMOCRÁTICA

 Breve nota

    Este brevíssimo ensaio pretende figurar como nota introdutória à série de pequenos textos voltados à reflexão de temas políticos, cuja implicação sobre o direito brasileiro tem, indiscutivelmente, acossado as pessoas de modo convulsivo e convertido essa ocasião turbulenta em ambiente propício à deflagração de mentiras e arbitrariedades capazes de corromper a essência da ciência jurídica em favor da prevalência ideológica.

    Sob tal perspectiva, convém sublinhar que a abordagem ora exposta apenas pretende despertar, por assim dizer, interesse acerca dos temas palpitantes e que tanta polarização e questionamentos tem gerado na sociedade brasileira, salientando que o texto sob exame não fora produzido com escopo em tema pontualmente localizado no âmbito das mais efervescentes discussões a dominar reuniões familiares, mesas de bar ou qualquer encontro cuja origem compreenda a natureza gregária que nos   define como entes humanos, tais como prisão em 2ª instância, processos da operação lava jato, fack news nas eleições, distorções da ordem democrática pelo atual presidente da república etc.
    
    Nesta série, inaugurada pelo ensaio em tela, buscarei, o quanto possível, afastar-me de gostos pessoais sob o manto da isenção, posto minha disposição estar revestida do empenho para demonstrar as armadilhas que as redes sociais nos oferecem, especialmente quando a virulência dos discursos visam ocultar o real compromisso de tão somente repercutir convicções ideológicas marcadas pela desfaçatez.  
   
    Em complemento, impende ressaltar que, em curtíssimo lapso temporal, verificamos uma drástica mudança de percepção quanto a marcos civilizatórios que, no Brasil, cria-se absolutamente sedimentados, posto não existir, aparentemente, espaço para relativizações acerca de presunção de inocência, equidistância do juízo em relação às partes processuais, manutenção da ordem democrática, esmagadora e indubitável convicção quanto ao regime ditatorial implantado pelo golpe militar no país e demais temas que demonstram a relação umbilical entre direito e política.
    Desejo-lhes boa leitura, marcada pela crítica decorrente de atenta análise textual, bem como comentários propositivos.



     Havia decidido não me posicionar publicamente acerca do tema política este ano, o qual, não obstante a obviedade a incidir em seu inescapável vínculo com o direito, razão suficiente a provocar-me atenção haja vista este segundo domínio corresponder a um de meus imediatos interesses, impõe uma breve e não menos aguda consideração, mormente neste momento caótico e sombrio da realidade brasileira.
 
    Os vasos comunicantes entre política e direito atuam de modo a produzir intensa mobilidade nos atores sociais, e uma das expressões de tal dinâmica, a qual perfaz eixo da presente abordagem, é o vigor com que os atores se manifestam especialmente nas mídias sociais, e o eco de tais vozes se diluem, em regra, sob o filtro da conveniência ideológica, uma vez que, ao deparar-se com a necessidade de enfrentamento de fatos sensíveis e capazes de relativizar a corrente política de sua afeição, a parcialidade costuma operar sob nítido e conveniente propósito de apenas ostentar a subjugação dos oponentes instalados na arena virtual, a qual, em grande medida é anunciada com verborragia e falsa proclamação de êxito nos debates por meio do chamado "golpe insolente", expressão contida na obra de Arthur Schopenhawer a "Arte de ter razão", numa demonstração de que a média dos indivíduos não se ocupa em perscrutar a verdade, mas, saborear o doce mel da suposta vitória.
    
    Em Nietzsche encontramos inscrito elevado reconhecimento quanto à relevância dos políticos como artífices das condições em que a guerra pela ocupação dos espaços de poder deva ser travada, atribuindo aos sofistas gregos a forja dos elementos discursivos que, pela convicção na relatividade humana, operou, decisivamente, à definição do modelo ocidental de disputa no domínio político, uma vez defender a tese de que aqueles predecessores (sofistas) cultivavam o espírito dionisíaco, instintual e beligerante.
   
    Noutra rota caminhavam os filósofos da corrente socrática aos quais o pensador atribuiu o caráter apolíneo, ou seja, arrefecidos no sentido da disputa porquanto ocupados com a apreensão essencial dos elementos da existência, escrutinadores da "verdade" que, em franca oposição aos sofistas teriam inaugurado, no dizer do filósofo de Röcken, o "racionalismo".
   
    À luz do pensador alemão - ou "franco atirador da palavra" conforme alguns preferem defini-lo -, os políticos situam-se em posição de elevado destaque no plano social, tendo em vista  seu atávico vínculo com a luta, afrontamento e violência - essa última circunscrita à arena institucional, condição que lhes confere protagonismo no bojo das pautas sociais para as quais o Estado deve atentar.
   
    Cumpre ressaltar que os partícipes nas discussões políticas não se limitam às liderança públicas que pleiteiam diretamente cargos eletivos (não mesmo!), sobretudo num Brasil em que a internet propiciou, em nível exponencial, a superação das fronteiras para disseminação do pensamento, notadamente na esfera do poder político, à medida que os agentes (políticos de carreira ou não) vociferam nas redes sociais especialmente, abrindo um flanco até então inexistente e com potencial suficiente para influir, de modo decisivo, em processos eleitorais inclusive.
 
    Em que pese a "guerra" constituir traço marcante na política, a disposição comportamental negativa adotada por expressivo volume de indivíduos nas redes sociais preocupam o Estado, que, por meio de diferentes instâncias ( legislativo e judiciário), elaboram, em conjunto, marcos balizadores à atuação dos internautas a fim de que o cyber espaço não se converta em território sem lei, mas, à semelhança dos canais tangíveis, numa dimensão em que os valores do estado de direito igualmente precisam ser observados sob pena de a barbárie constituir padrão de prevalência às relações ali travadas.
   
    Os caminhos do direito e da política estão entrecruzados, hoje não apenas em razão de sua conexão intrínseca, mas, sobretudo, no âmbito da militância de atores sociais cujas vozes não reverberavam no seio da sociedade, condição que inaugurou a necessidade de que os políticos repensassem o "modus operandi" de sua comunicação, significando que os mesmos não apenas ocupam as redes sociais, mas nelas reconhecem um dos principais instrumentos para consolidar suas plataformas e atrair apoiadores.
    
Por outro lado, se as redes cooperam à salutar vigilância institucional bem como à conduta dos políticos, tendo em vista a conjuntura que ali se expressa, a vulnerabilidade amplia-se de modo a ameaçar, muitas vezes, as próprias instituições estabelecidas sob a égide constitucional, notadamente pelo açodamento e desequilíbrio que caracteriza, em medida substancial, posições cujo radicalismo não permite uma avaliação sóbria e portanto sob categorias lógicas das posições institucionalmente adotadas.
 
    Exemplo eloquente compreende mobilizações que a todo tempo exigem supressão da ordem vigente pelo fechamento do congresso nacional e deposição dos ministros do Supremo Tribunal Federal - à segunda posição, impende destacar que grupos (alguns estimulados por determinadas correntes políticas) radicalizados pela noção de que decisões de determinados ministros decorrem, necessariamente, de desmedido ativismo resultante de estreita ligação com corrupção, não oportunizam, por exemplo, o fundamental ambiente para que as questões de fundo sejam rigorosa e devidamente avaliadas, bem como a própria fundamentação dos ministros submetidas a análise.
   
    O ambiente virtual amplia e repercute os discursos, porém, igualmente reduz a capacidade de gigantesca parcela populacional ao acesso de instrumentos que cooperem criticamente à formação de sua opinião, uma vez que as posições na net em regra são colocadas de maneira apaixonada e diluídas em águas turvas da ideologia simplista, para a qual, a ponderação e razoabilidade são alcunhadas, pejorativamente, de isenção.
  
    O problema que se coloca diz respeito à premente necessidade de forjar meios que, malgrado a aceitação da condição beligerante e intestina que a dimensão política ostenta, contribuam para menos toxidade no ambiente virtual e, por conseguinte, condições mínimas para que as posições sejam definidas a partir da solidez argumentativa e menos pela via do ataque à dignidade humana - aliás, não custa lembrar, esta constitui-se em princípio e fundamento do estado democrático de direito, expressão que parece não comportar nenhum significado para muitos infelizmente.
 
     Ao que parece, não apenas a coerção que se impõe pelo ordenamento jurídico será capaz de promover anteparos ao caos explicitamente manifesto, haja vista as notícias falsas e desinformações de toda ordem, desde "pareceres" jurídicos de "rábulas" que, inobstante o desconhecimento de princípios básicos que fundamentam o estado de direito, se arvoram a emitir opiniões e espalhar as mais estapafúrdias "ideias" sobre temas de última hora, tais como prisão em segunda instância e institutos jurídicos cuja complexidade expõe significativa divergência na doutrina, fonte mediata à ciência do direito, cuja capital relevância reside em expressar a cultura jurídica de um país e, sobretudo, fornecer lastro à jurisprudência (decisões dos tribunais) que nos informa o direito vivo, porquanto orientador definitivo das condutas. 
   
    Sob o mesmo teto constitucional coexistem política e direito, e no âmago de ambos reside a ação humana, a qual, comprometida com convicções que lhes definem a conduta, arrisca-se a colidir com preceitos institucionalmente estabelecidos, para os quais a própria ordem vigente decorrente de sua vontade é relativizada, condição a impor detida e apurada observação quanto aos desdobramentos que tal fenômeno produzirá, mormente em razão da necessária manutenção da liberdade de expressão a despeito dos abusos que da mesma decorrem, condição em que a sociedade deverá manifestar sua robusta capacidade criadora, do contrário, o equilíbrio que deflui da correlação de forças entre atores sociais e institucionais estará sob iminente risco de dilaceramento.

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