Pular para o conteúdo principal

The Banker - Racismo Estrutural sob Legitimação Jurídica

The Bunker é um filme cujo lançamento não me parece ter tido a atenção merecida, talvez pela impressão imediata de tratar-se o roteiro de uma denúncia ao racismo, tema cuja amplitude poderia reduzir a percepção da audiência de modo a deslocá-lo a um lugar comum, condição que, em que pese revelar a centralidade da narrativa, propõe um dado especial e complementar, qual seja, o fato de que a condição estrutural da obra expõe a discriminação em razão da cor dos indivíduos lhes negando, juridicamente, a possibilidade de ascensão social. O direito, expressão do controle social que, pelo caráter coercitivo que ostenta, compreende o meio pelo qual certos segmentos invocam a primazia de seus interesses em detrimento de outros seres humanos, cuja exclusão lhes sobrevém como um dogma resultante da perversa decisão ideológica.

A história, baseada em fatos verídicos, reproduz a experiência de dois homens que, nos EUA dos anos 1960 empreendem, de modo inigualavelmente audacioso ao tornarem-se os primeiros banqueiros negros da América, condição cujos desafios transcendem a aventura empresarial, haja vista representar uma ruptura no paradigma racista estrutural daquele país.

A obra, cujo eixo temático perfaz a ousadia de dois indivíduos ao desafiarem a estrutura impermeável de um sistema racista assentado em valores antagônicos à dignidade humana que, sob a dimensão jurídica estabelece consenso e legitimidade, constitui um libelo a inspirar, pelo exemplo humano de adaptação, tenacidade e perseverança.  

Convém destacar, que a proposta não se reduz a um relato acerca da experiência pessoal de dois homens apenas, mas, pelo vinculo com as demandas sociais que convulsionaram os EUA na década de 1960, notadamente a necessidade de reconhecimento de igualdade, premissa básica à fruição dos direitos civis e sociais em conformidade com a constituição americana pela população negra, a narrativa alarga em relevância, pois, ao expor a desigualdade decorrente do preconceito baseado na cor, repercute na dimensão jurídica revelando-a o mais efetivo instrumento ao projeto de hegemonia ideológica.

Sob tal escopo, eis que o roteiro incorpora, no bojo do debate que compõe o nó górdio ao exercício empreendedor daqueles indivíduos, o questionamento de validade da legislação dos Estados da Federação americana à luz da carta magna, a qual, de modo inequívoco, reconhece a igualdade entre as pessoas, portanto, restando, ao menos do ponto de vista formal, inexistir razão para que a prática dos agentes em comento fosse negada.

A par dos elementos de natureza subjetiva que compõem o filme, tais como a extraordinária
inteligência de Bernard Garret para a matemática e sua inquebrantável força de vontade, o tema controle de constitucionalidade, caríssimo ao direito, é componente fundamental ao roteiro, o qual compreende a ideia, concebida pelo jurista alemão Hans Kelsen, de que a constituição de um país perfaz, no âmbito da hierarquia de leis, o ápice do ordenamento jurídico, razão por que, o direito atravessa o corpo narrativo de modo a demonstrar que leis não podem colidir com princípios e normas de natureza constitucional, o que, no caso sob análise, revela que a manutenção de leis que afrontam uma constituição, decorre da leniência com a cultura do ódio que se expressa sob codificação legal, ainda que implicitamente.

Sob meu particular ponto de vista este filme enaltece a coragem e determinação como condição indissociável às realizações humanas, sobretudo em contextos de opressão e violência, no bojo dos quais, incorporar sentido para a vida transcende a luta pela mera sobrevivência, uma vez que, aplicando significados às ações, o projeto existencial ganhará contornos menos específicos, servindo de inspiração àqueles que, igualmente, experimentam a chaga da desigualdade e exclusão, demonstrando assim, que a caminhada com propósitos definidos para além de nossas necessidades imediatas, repercute na existência de modo a afetar ou mesmo ruir concepções ideológicas estrategicamente forjadas para nos desmobilizar.

Em algum lugar na Via Láctea,

Maurício.










  

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Evangélicos e generalizações

        A generalização atribuída ao chamado campo religioso evangélico no Brasil, traduz um equívoco pontual e importante, à medida que sua feição difusa, diversa e em muitos aspectos caótica, oculta a expressão de dogmas - no interior de tal corrente - oriundos da ideologia neoliberal incrustados especialmente  nos modos de enxergar as desigualdades, as quais não resultariam - à luz da interpretação de suas lideranças mais expressivas midiaticamente - das condições de natureza histórica vincadamente marcadas pela prevalência de interesses da elite economicamente opressora, todavia, da passividade ou diligência dos crentes em face das "naturais" adversidades que desafiam a existência e, por consequência inescapável, a fé.     O maneira de discernir o tema da desigualdade por parte (incorro em deliberada generalização) dos evangélicos, importa no vínculo imediato que a inevitabilidade do sofrimento possui com o grau de credulidade nas promessas divinas, as quais, em que pes

Sonhos, significados, sentido

A frase O universo numa casca de Noz, cunhada pelo grande matemático e físico teórico Stephen Hawking, a qual intitula um de seus extraordinários livros, constitui indicativo de que o tamanho das coisas não abriga, necessariamente, relação de proporção com seus significados. A esse respeito, basta observarmos a natureza e as sutis apreensões que dela advêm, uma vez que, permitindo-se escutar com sensibilidade o canto dos pássaros, o farfalhar das folhas ou mesmo o impacto de uma queda d’água em seu pouso sobre as rochas, conceberemos uma peça musical inaudível aos que não se permitem sonhar.   Sonhos possuem o condão de nos fazer enxergar em diminutos elementos, grandes significados, os quais correspondem ao sentido de nossa existência e nos permitem aceitar o quão graciosa e repleta de poesia é a vida, cuja evidência resta comprovada quando, por exemplo, dominados pela espontaneidade lançamos pequenas pedras em direção a um rio ao dele nos aproximarmos.   Tal contexto me

CULTURA E CIDADANIA: UM ELO NECESSÁRIO

     O caldo revolucionário fermentado na Bahia no início do século XIX, fora imantado pela irresignação ao cativeiro bem como pelo componente religioso especialmente dos negros islamizados que aqui aportavam, condição a produzir significativo receio do governo, uma vez que o Haiti demonstrara, pouco tempo antes, extraordinário exemplo emancipatório através de uma revolução cujos ecos indicavam a necessidade de precauções quanto à gestão da condição negra no país.      Evidentemente que as elites brasileiras em nada refletiam a mais remota disposição em considerar uma efetiva emancipação do povo negro escravizado, uma vez que a economia do império dependia de sua mão de obra, significando afirmar, que qualquer reflexão acerca da escravidão, estaria circunscrita aos interesses de uma elite cuja razão de fundo a orientar seus passos apenas incluía a manutenção do  status quo .      O conteúdo básico a balizar a hegemônica opinião acerca das sublevações negras no período retro indicado, c