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Virtualidade e Comportamento

O advento da internet viabilizou formas difusas de interações, que ocorrem mediadas por aplicativos diversos, os quais, em razão de suas inerentes especificidades, impõem novas características ao processo de comunicação entre os indivíduos, cada vez mais adeptos a comportamentos ajustados aos limites que lhes permitem tais artefatos, num contexto em que a verdadeira espontaneidade relacional adquirida fora do universo virtual tende a ser marginalizada por tornar-se supostamente obsoleta.  

No âmbito desta inovação, observa-se uma espécie de consenso acerca da adoção de maneiras caricatas e artificiais no processo comunicacional vigente, ditadas pela necessidade de adaptação aos mecanismos tecnológicos de mídias sociais que interferem na espontaneidade e pior, determinam como a mesma deve manifestar-se com vistas à submissão a um modelo objetivo de diálogo transformado em fetiche.


O processo de comunicação, estimulado por incontáveis necessidades,  compreendidas desde anseios subjetivos a demandas globais, perfaz uma condição inescapável à existência, cuja prerrogativa não é apenas humana, uma vez que se expressa universalmente haja vista as complexas interações entre os elementos naturais, as quais, determinam o vital equilíbrio do planeta.

A humanidade, parte integrante do cosmo, portanto um ente igualmente dependente de equilíbrio relacional, funda e desenvolve formas criativas para a comunicação, cujo acervo parece incatalogável (youtube, instagram, twitter, facebook, telegram, whatsapp  etc), acompanhadas de sub-invenções cingidas na adoção de curiosos comportamentos performáticos,  os quais, além de acentuar o volume de expressões faciais, olhares, gesticulações labiais, códigos frasais e posturas corporais inusitadas, revelando uma espécie de cárcere decorrente de tais condicionamentos, podem, infelizmente, influir também na perda de referências psíquicas vinculadas aos mais expressivos afetos e relações edificantes que definem nossa individualidade.  

Convém reforçar, que a relação humana, para a qual a comunicação é pressuposto, é abarcada pela oferta de componentes virtuais que prometem aproximar pessoas; no entanto, tal "dádiva" não as adverte acerca do quanto serão afetadas, tendo em vista a quase imperceptível mudança no processo de comunicação, resultante de uma adaptação aos instrumentos dos quais se servem e para os quais estão a serviço.

A multiplicidade de formas virtualmente interativas não mais nos desafia à identificação de limites tecnológicos alternativos ao processo de comunicação humana, mas, sobretudo, nos prova a fim de que identifiquemos em que medida tais elementos interferirão no modo como nos relacionamos, haja vista a exigência das plataformas digitais a que incorporemos dinâmicas relacionais que estejam em consonância com seus mecanismos; exemplo disso são as abreviações escritas em app's de mensagem instantânea, condição que se assemelha a um convite à extinção do diálogo, publicação de fotos sob exclusivo enquadramento, manifestações escritas e "intensas" de carinho a contrastar com os cada vez mais raros encontros presencialmente físicos.

O modo como expressamos nossa individualidade resta profundamente alterado pelo advento de plataformas digitais que, sob a promessa de nos aproximar a partir de novas e dinâmicas maneiras interativas, de fato, nos propõem o desafio de, ao incorporá-las ao nosso universo existencial, até que ponto não nos submeteremos à ruptura com a genuína espontaneidade que perfaz o modo como comunicamos nosso ser, condição para a qual necessitamos não ser subjugados pela necessidade\exigência de adaptação a mecanismos artificiais, e sim, provocados pela orgânica comunicação humanamente construída em nossa trajetória.

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