O exercício da
liberdade, elemento que se mostrará ao longo da história política
diametralmente antagônico à igualdade, compreendeu, sob o arquétipo do “Bom
selvagem” idealizado por Rousseau, uma experiência existencial desvinculada das
coerções do organismo social, cuja renúncia a este “modus vivendi” nascerá dos
efeitos advindos do surgimento da propriedade privada (Gonzaga e Carnio, 2010;
pág. 40).
Sob esta ótica, o
contrato tácito, decorrente do abandono desta vida em comum regulador das ações
humanas, significará a pedra de toque
para compreensão de como a humanidade saltara da simplicidade harmônica
comunitária à complexidade social consensualmente admitida.
Sem embargo disso,
compreenderá Engels que, no conjunto desarmônico da sociedade capitalista, o
elemento matrimonial monogâmico além de representar o embrião da subordinação
feminina ao homem (Engels, 2010; pág. 87), escamoteia seu real propósito, qual
seja projetar o casamento ao nível da relação contratual sob a formulação de
uma suposta liberdade (desmascarada pelo fato de que as uniões, em regra,
resultavam de conveniências familiares) que encerra, essencialmente, a ideia de
legitimação do direito hereditário (Engels, 2010; pág. 102-104).
À vista do cenário
acima, impõe-se observar, sob pena de mascarar os reflexos que o liberalismo
econômico projetou a partir do discurso fraterno-libertário-igualitário, cuja
fundação remonta à revolução francesa, a polarização por ele criada. Assim, a
tripartição que o programa revolucionário Francês propunha, consubstanciado na
liberdade, igualdade e fraternidade, se desdobraria numa divergência profunda
para os dois principais ideais políticos da contemporaneidade – socialismo e
liberalismo (Magnoli e Barbosa; 2011; pág. 10, 11)).
Nesse contexto,
compreendida a liberdade inicialmente como caminho à desconstrução do regime
absolutista, cujo governo encontraria seu fundamento “na vontade do povo”,
propõe-se uma plataforma cuja tradução se revelará “sob a forma dos direitos
individuais”, conjugados nas liberdades econômicas e direitos políticos. Por seu
turno, os socialistas apoderaram-se “do princípio da igualdade”, expresso na
defesa “de direitos coletivos econômicos e sociais”. A tentativa de
conformar a realidade social à preponderância de um dos princípios retro
citados desenhará a cena da “história política contemporânea”.
Malgrado a
dissonância entre as correntes, convergiram estas, contraditoriamente, na
demonstração do quão negativo pode ser a radicalização do discurso ideológico,
já que, de um lado, a liberdade, ao encontrar seu aplicativo no campo
econômico, o realiza sob a “desigualdade de classes”, à medida que as
antagoniza (trabalhadores e detentores dos meios de produção), expondo, assim,
a chaga da exclusão. Não obstante, a igualdade, ao expressar-se pela imposição
restritiva da autonomia sobre o patrimônio de modo extremoso, representará
sério óbice ao empreendimento, causando, inclusive, enormes limitações ao exercício
da liberdade (Magnoli e Barbosa; 2011; pág. 11).
Em algum lugar na Via Láctea,
Maurício Alves
REFERÊNCIAS
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social,3º ed., São Paulo,
Martin Claret, 2011;
MAGNOLI, Demétrio e BARBOSA, Elaine
Senise. O mundo em desordem. 1º ed.,
v. 1. Rio de Janeiro, Record, 2011;
ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada
e do Estado. 1º ed. São Paulo, Expressão popular;
GONZAGA, Alvaro Luiz Travassos de
Azevedo, CARNIO, Henrique Carbellini. Sociologia
jurídica. 1º ed. São Paulo, Saraiva, 2010.
Em algum lugar da Via Láctea,
Maurício Alves
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