O mercado, fenômeno cujo surgimento data de eras antigas, manifesta-se, na realidade social, como ambiente promotor do encontro de indivíduos e empresas cuja vontade daqueles em adquirir produtos/serviços à satisfação de suas necessidades junto a estas, desenha o cenário de relevante convergência que dá feição própria ao mundo das trocas.
Este cenário, conquanto nos indique a noção imediata de que a base relacional entre os entes supramencionados (consumidores/fornecedores) compõe-se de um acordo de vontades e, como tal, regular-se-ia sob os parâmetros da absoluta liberdade, haja vista tal estrutura fundar-se na economia de mercado conforme a ordem econômica inscrita no art. 170 da Constituição federal, na realidade, não é exatamente assim.
O Estado, em consonância com o perfil intervencionista que matizou as constituições ocidentais do século XX, estabelece balizas a fim de que as relações neste campo obedeçam às diretrizes constitucionais, as quais eclodem como elemento de proteção ao consumidor, cuja condição de grande vulnerabilidade impõe a composição de um arsenal normativo apto a garantir um maior equilíbrio na relação travada entre estes e fornecedores.
Saliente-se que não se busca aqui informar, mesmo implicitamente, que tal relação entre consumidores e fornecedores é tecida sob o manto do antagonismo, ao contrário, a percepção esboçada propõe que, mesmo numa economia de livre mercado, o Estado deve assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, concebendo a relação consumerista como resultado de uma interação cujo exercício situa o consumidor como ator mais frágil, no entanto, sem perder de vista que a ordem econômica, princípio constitucional que é, funda-se na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (CF/88, art. 170), razão por que os valores vigentes que vinculam fornecedores e consumidores, tais como autonomia da vontade e livre iniciativa devem estribar-se em princípios que assegurem ao máximo o afastamento da lesividade a ambos os lados, mormente ao consumidor, por integrar o polo mais frágil da relação.
Livre iniciativa, liberdade de concorrência, autonomia da vontade, propriedade privada, são fundamentos do sistema capitalista, os quais, segundo o pensamento vigente, constituem valores inegavelmente solidificados nas sociedades ocidentais, cuja existência propõe a construção e manutenção de uma sociedade livre (RAMOS, p. 20; 2012).
Não se pode olvidar, a despeito das contradições inerentes a este sistema, o qual ocupa todos os níveis das relações humanas, que seus princípios, exercitados sem a devida intervenção estatal, impõem condições altamente desiguais aos consumidores, uma vez que os atores sociais que detém os meios de produção, invariavelmente poderão se ocupar em estabelecer mecanismos que favoreçam a geração de lucro sem que princípios de natureza ético-jurídica sejam observados, gerando assim violações às dimensões material e moral dos destinatários finais dos produtos e/ou serviços.
Nessa esteira, tendo em conta que a motivação para o lucro da atividade empresarial é precisamente o que dá sentido e significado à economia de mercado baseada na propriedade privada dos meios de produção” (Ludwig Von Mises, em intervencionismo, uma análise econômica), bem como a hipossuficiência que imanta o consumidor, impende ressaltar a urgente necessidade de que a relação jurídica entre tais entes esteja fundada no princípio cooperativo, condição a ser propiciada pela observância à boa-fé objetiva, contribuindo ao alcance de um perfil mercadológico em que a flagrante vulnerabilidade do consumidor não represente condição a ser explorada negativamente, bem como o fornecedor encarado como algoz em potencial.
A partir da apreensão de que o ordenamento jurídico vigente e disciplinador da seara consumerista - sob a égide da matriz constitucional - compreende a bússola que orienta não apenas o operador do direito, mas, consumidores e fornecedores no vasto mar de complexidades a marcar as relações de consumo, resta fundamental a adoção de conduta compatível com a lealdade e probidade no âmbito jurídico relacional entre os dois últimos atores, em cujo encontro incidem oferta e aquisição, expressão fundamental de expectativas que ambos carregam.
Referências
Constituição da República Federativa do Brasil – obra coletiva de autoria da Editora saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes – 5º ed. São Paulo, 2009.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 2ª ed. Revista, atualizada e ampliada, Rio de Janeiro, Forense, 2012.
MISES, Ludwig Von, Intervencionismo, uma análise econômica, disponível em http://www.mises.org.br. Acesso em: 02 de fev. de 2015, 15:25:08.
Comentários
Postar um comentário